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    Advogados trabalharam como mensageiros do tráfico dentro e fora de presídio, aponta investigação

    Por Fantástico/ TV Globo

    O Fantástico teve acesso a detalhes inéditos de uma investigação sobre advogados atuando como mensageiros do tráfico dentro e fora da Penitenciária Estadual de Alcaçuz, em Natal, no Rio Grande do Norte (RN).

    No fim de novembro, os advogados Amanda Macedo e Romualdo Barbosa foram presos, em Natal, pelo crime de associação criminosa.

    Segundo a polícia, os dois faziam um leva e traz de mensagens entre traficantes presos no complexo de Alcaçuz e bandidos que estão fora do presídio.

    Centenas de mensagens escritas foram encontradas com Amanda e Romualdo. Além deles, outros seis advogados estão sendo investigados pelo mesmo crime.

    Segundo o delegado Pablo Beltrão, a troca de mensagens envolve desde controle do tráfico de drogas até organização de uma facção criminosa que atua no Rio Grande do Norte. Os recados, ele afirma, incluem também ordem de execução de pessoas e empréstimo de armas.

    A cooptação de advogados

    O complexo prisional de Alcaçuz não tem tomadas com energia elétrica, impossibilitando o carregamento de celulares que entram ilegalmente na prisão. Segundo autoridades, isso levou ao aumento de uma prática já existente: a cooptação de advogados.

    Esses profissionais têm a prerrogativa de manter em sigilo os documentos que mostram só para os detentos.

    A troca de mensagens entre os presos e os advogados acontecia no parlatório, local que não tem câmera de segurança nem gravação de áudio. As conversas ocorriam via bilhetes, que, depois, eram levados para fora do presídio.

    Segundo a polícia, o caos nas ruas do Rio Grande do Norte, com quebra-quebra e incêndios, em março deste ano, foi planejado e executado à base de bilhetes que saíram da cadeia.

    A defesa de Amanda Macedo diz que “vai se resguardar” em dizer se ela levava, ou não, bilhetes para o presídio, porque “não tem a integralidade dos autos”.

    Em nota, a defesa de Romualdo Barbosa também disse que não teve acesso aos autos.

    Advogados condenados

    Advogada em Natal, Monalisa Albuquerque de Lima está entre quatro advogados condenados em primeiro grau neste ano por associação criminosa. Segundo o Ministério Público (MP), ela também fazia o leva e traz de mensagens.

    O Fantástico apurou que os quatro advogados condenados recorrem em liberdade com tornozeleiras eletrônicas e continuam exercendo a profissão.

    Monalisa diz que os promotores do caso não ouviram plenamente sua defesa. “Eles não podem fazer uma separação do que é mais benéfico à acusação e fazer vista grossa à documentação que me absolve no processo”, diz ela.

    Em nota, o MP do Rio Grande do Norte informou que todas as provas produzidas foram respeitadas.

    Segundo o promotor de Justiça Augusto Lima, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) chegou a suspender de alguns advogados durante 90 dias, mas, mesmo assim, não houve o julgamento desses procedimentos disciplinares. Sendo assim, hoje, não existe nenhum impedimento para entrarem no complexo.

    A OAB afirma que “como não há ainda uma decisão transitada em julgado, nenhum deles está cumprindo pena”.

    A operação

    Na semana passada, uma operação nacional vasculhou presídios em todos os estados brasileiros.

    “A gente não tem notícia de celular desde 2019 aqui no presídio. Então, eles são obrigados a arranjar outros meios de se comunicar com o ambiente externo”, diz Helton da Silva, secretário de administração penitenciária do RN.

    “Não ter energia nas celas é uma das metodologias que a gente consegue aplicar pra que não se utilize celulares nas celas”, afirma o secretário nacional de políticas penais.

    Novos presídios não deverão ter energia elétrica nas celas. Mas, segundo as autoridades, a comunicação criminosa entre advogados e presos continua sendo um problema de difícil solução.