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    O governo está acabando antes da hora (por Roberto Brant)

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    Em poucos dias o Governo Lula sofreu derrotas arrasadoras no Parlamento. Se nosso sistema do governo fosse o Parlamentarismo, como na quase totalidade das democracias mais maduras, o Governo cairia e provavelmente seriam convocadas novas eleições quando o povo daria a última palavra para resolver a crise.

    Acontece que esse não é o nosso sistema de governo. Sem maioria parlamentar o governo não tem meios para governar, mas permanece no poder pelo tempo que lhe resta de mandato, qualquer que seja a extensão deste tempo. Esta é a regra sob a qual somos governados e quanto a isto não há nada a fazer. A Constituição de 88 previu que um plebiscito seria convocado para que o povo decidisse sobre o regime de governo. O resultado foi uma esmagadora vitória do Presidencialismo.

    Não devemos esquecer que a Constituição foi sendo escrita na suposição de que o sistema de governo a ser adotado seria o Parlamentarismo, mas no momento de decidir a respeito finalmente, a maioria dos constituintes optou pela preservação do Presidencialismo. Em consequência disto temos um sistema híbrido de governo, em que o Poder Executivo depende excessivamente do Congresso para praticar atos que são próprios de gestão. Com o passar do tempo também o Judiciário começou a invadir a esfera do Executivo, tornando o governo impotente para resolver os principais problemas do país.

    No nosso caso atual de ingovernabilidade, parte da culpa cabe evidentemente à organização dos Poderes. Se os futuros candidatos à Presidência tiverem mesmo a intenção de governar o país para valer, terão que necessariamente propor de início uma repactuação constitucional que devolva ao governo a potência necessária para enfrentar os problemas que cabe ao Estado resolver. Outra parte da culpa, no entanto, tem que ser diretamente debitada ao Presidente Lula.

    Em qualquer circunstância é dever do Presidente formar e conservar uma maioria parlamentar. Ninguém pode fazer isto por ele. Como nossos sistemas partidário e eleitoral não facilitam a formação natural de maiorias pelas eleições, é obrigação do Presidente abrir o governo para composições que permitam que a maioria governe. Não se trata apenas de repartição de posições, mas também de abertura do discurso de governo para conciliar diferenças entre os coligados. Não é o que o Presidente Lula decidiu fazer.

    Eleito com uma proposta de Frente Ampla para derrotar Bolsonaro, uma vez eleito esqueceu imediatamente suas promessas e escolheu governar com sua minoria. Anunciou um governo de alianças, mas reservou todo o núcleo de governo para ao PT: Fazenda, Casa Civil, Secretaria da Presidência, Relações Institucionais, Justiça, Saúde, Educação, Desenvolvimento Social, BNDES, Banco do Brasil. Fora deste núcleo, na periferia do governo, alojou os partidos de uma suposta base política. Ninguém enganou ninguém. Ficou claro que o governo era o governo do PT e os partidos da base nunca fingiram não ser estrangeiros neste ambiente. A ruptura e a dissolução era apenas uma questão de tempo e oportunidade.

    Lula sempre foi um político de visão prática. Percebendo que governar não era mais possível, jogou todas a fichas na busca de fidelização de sua velha base popular. Criou uma espécie de Ministério da Propaganda e fez dele o eixo do governo. As velhas raposas do Congresso se assustaram e resolveram apressar o desenlace.

    A fraqueza política do governo ficou exposta cruamente. Em votações críticas o governo não alcançou sequer 100 votos na Câmara, de um total de 513. A crise fiscal, que não é visível ao homem comum, mas que é real e terá consequências em breve, prenuncia que nos próximos dois anos algo muito grave pode acontecer. Enquanto isto Governo e Congresso dançam à beira do abismo.

    O governo está acabando, mas todo nosso sistema político está também acabando junto com ele. Está difícil ter esperança porque, resumindo tudo, tomo de empréstimo os versos do poeta irlandês Yeats: “aos melhores falta toda convicção, enquanto os piores estão cheios de uma intensidade apaixonada.”

     

    Roberto Brant, ex-ministro da Previdência Social do governo Fernando Henrique Cardoso