A vítima padrão da Polícia Militar na cidade de São Paulo é um homem, com menos de 30 anos e preto ou pardo.
Ao todo, 246 pessoas foram mortas pela PM na capital paulista em 2024. Desse total, 141 (57%) eram pardas, 26 (11%) eram pretas e 66 (27%) eram brancas – em 13 casos, a cor da vítima não estava identificada. Ou seja, 68% do total é formado por um contingente de pessoas pretas e pardas.
Os números fazem parte de levantamento dos casos de mortes por intervenção policial na capital paulista em 2024, que aumentaram 68% em relação ao ano anterior. Reportagem especial publicada pelo Metrópoles, na terça-feira (10/6), mostra que a PM matou 85 pessoas desarmadas e 47 com tiros pelas costas.
A idade média dos mortos pela polícia é de 28 anos –há pessoas que tinham entre 14 e 70 anos na data das ocorrências. Um dos casos com vítima mais jovem, que transcorreu na divisa de Suzano com São Paulo, é o do adolescente Gabriel Miranda Cordeiro, de 14 anos.
A versão da polícia para o caso é que procuravam os autores de um roubo de veículo de um mototaxista – dois homens em uma moto. O rapaz, porém, foi abordado enquanto andava em um local próximo do crime – não estava de moto, portanto.
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Um levantamento inédito do Metrópoles mostra que 85 pessoas mortas pela PM em 2024 na cidade de São Paulo não portavam arma de fogo. Foram mortas 246 pessoas no ano
Arte
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A PM deu pelo menos 459 disparos para matar 85 pessoas em ocorrências em que nenhum dos suspeitos portava arma de fogo no momento em que foram baleadas. O número de tiros representa uma média de 5,4 por ocorrência
Reprodução
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Um dos casos de maior repercussão foi o da morte do estudante de medicina Marco Aurélio Acosta, que estava desarmado
Arquivo pessoal
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Os pais do estudante, Júlio César Navarro e Silvia Monica Cardenas, prometem ir às últimas consequências por Justiça
Artur Rodrigues/Metrópoles
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Outro caso de pessoa desarmada Gabriel Renan Soares, baleado pelas costas por um policial de folga quando tentava furtar produtos de limpeza de um mercadinho
Material cedido ao Metrópoles
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Entre os mortos também está João Victor, que implorou para não morrer durante ação da PM
Arquivo pessoal
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O colombiano Michael Stiven Ramirez Montes foi morto com 25 tiros durante um surto, em um apartamento na região da Cracolândia
Reprodução
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O colecionador de armas (CAC) Marcelo Berlinck Mariano Costa atirou de dentro de uma cobertura em Pinheiros (bairro nobre de SP na zona oeste) e acabou preso pela PM sem ser baleado
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O governador Tarcísio de Freitas
Pablo Jacob/Governo de SP/Divulgação
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O secretário da Segurança, Guilherme Derrite, é conhecido pela exaltação à letalidade policial, o que especialistas afirmam que pode ter pesado nas estatísticas
Reprodução/Instagram
Os policiais disseram que “o abordado colocou a mão na cintura e retirou um objeto, que posteriormente verificaram se tratar de simulacro de arma de fogo”. No total, o rapaz tomou sete tiros. Em meio aos 246 mortos, a reportagem encontrou outros casos em que a PM narra esse mesmo tipo de dinâmica, uma pessoa com um simulacro que supostamente resolve mostrar ou fazer menção de atirar em policiais sabidamente usando armas de fogo reais.
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Depois, os policiais mostraram a foto do jovem para a vítima, que teria reconhecido com 100% de certeza. Especialistas afirmam que o hábito de PMs de mostrar fotos de suspeitos às vítimas (muitas vezes, de apenas uma pessoa) pode induzir as pessoas a acreditarem sinceramente de que se trata do criminoso procurado.
Jovens, pardos e pobres
Pardo, Gabriel está entre os 11 adolescentes mortos pela PM. Quase 40% das vítimas tinham até 25 anos na data da ocorrência.
Além do recorte de idade e cor, fica evidente também na apuração do Metrópoles o predomínio de jovens periféricos entre os mortos.
Por exemplo, o 89º Distrito Policial (Morumbi), que atende a região da comunidade de Paraisópolis, registrou a maior quantidade de casos de resistência seguida de morte. A reportagem identificou que a maioria dos casos aconteceu ou na própria comunidade ou em seus arredores.
Logo depois, os distritos policiais com mais ocorrências do tipo são: 35º DP (Jabaquara), com 11 casos; e 46º (Perus) e 37º (Campo Limpo), ambos com nove casos. Todos os distritos atendem regiões pobres nos extremos da cidade. Distritos de bairros ricos, como o 78º DP (Jardins), não registraram nenhum caso.
Conforme a reportagem especial do Metrópoles mostrou, dois casos — um em Pinheiros e outro na região da Cracolândia — simbolizam a diferença na atuação da PM.
No primeiro, o colombiano Michael Stiven Ramirez Montes, 33 anos, foi morto com 25 tiros dentro de um apartamento na região da Cracolândia, vizinhança pobre no centro da cidade e foco de constante tensão com a PM — ele estava sentado no chão do apartamento, esfaqueando um cão da raça bull terrier quando foi morto.
No segundo, policiais da Rota renderam, sem efetuar um único tiro, o CAC (sigla para Colecionadores de Armas, Atiradores e Caçadores) Marcelo Berlinck Mariano Costa, 31 anos, que havia feito disparos do alto de uma cobertura, em Pinheiros, bairro nobre da zona oeste paulistana, e atirado contra os agentes. Ambos aparentavam estar em surto e portavam drogas.
O que diz a PM
A Polícia Militar afirmou, por meio de nota, que “não tolera desvios de conduta” e que, “como demonstração desse compromisso, desde o início da atual gestão, 463 policiais militares foram presos e 318 demitidos ou expulsos”.
Segundo a corporação, todas as mortes por policiais são investigadas com acompanhamento da Corregedoria e do Ministério Público do estado (MPSP). Além disso, o comunicado afirma que em todos os casos são instauradas comissões para identificar “não-conformidades”.
“A atual gestão investe em formação contínua do efetivo, capacitações práticas e teóricas, e na aquisição de equipamentos de menor potencial ofensivo, como armas de incapacitação neuromuscular, com o objetivo de mitigar a letalidade policial”, diz a nota.
