Após o Metrópoles mostrar a realidade de dezenas de franqueados e ex-franqueados da Cacau Show que perderam tudo após acumularem dívidas ao serem surpreendidos com taxas e multas não previstas, aditamentos de contrato e novos preços de produtos sem aviso prévio, a empresa decidiu aumentar, ainda mais, o rigor.
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Após negar perseguição, Cacau Show fecha loja de franqueada que denunciou “seita”
Nas últimas semanas, franqueados relataram terem recebido boletos com a cobrança de dívidas com prazo de pagamento de 48 horas e multa de R$ 5 mil por dia. A iniciativa foi vendida pela Cacau Show como uma “renegociação”.
“Ninguém me procurou. Só recebi o boleto. Não tenho como pagar”, contou uma franqueada. “E, se a gente não quitar, não recebemos mais produtos para vender”, completou.
Em reunião do conselho da Cacau Show, foi reportado, em ata, que os franqueados acumularam prejuízos que chegam a R$ 145 milhões. “O cenário projetado era de um ILO [Índice de Lucratividade Operacional das franquias] móvel mensal passando de R$ 11.810
(fev/24) para R$ 12.400 (fev 25) no decorrer de 12 meses, o que deveria resultar em um ganho final anual de R$ 13.581 para compensar a inflação do período”, aponta a ata.
O registro continua: “No entanto, o ILO móvel mensal final registrado em fev 25 foi de R$ 9.710,00, o que indica uma perda média anual de R$ 25.200,00 por loja em cima do ILO de 2024 ou uma perda anual média por loja de R$ 32.280,00 considerando o objetivo de um ILO de R$ 12.400,00, totalizando um prejuízo de aproximadamente R$ 103.000.000,00”.
Após a intervenção de um dos presentes foi feito um adendo. “Esse prejuízo considerou ainda o aumento no custo do cacau, mas em um cenário sem esse aumento, a perda seria em torno de R$ 145.000.000,00”.
Presente, o CEO da Cacau Show, Alê Costa, assumiu a palavra e afirmou que “a indústria teve uma perda ainda maior, estimada em aproximadamente R$ 200.000.000,00”. Depois, repetiu o discurso de que as coisas “vão melhorar”.
“Apesar de o primeiro semestre não ter apresentado bons resultados, a perspectiva é de que, olhando para frente, a operação está de pé. Estão sendo realizados estudos para avaliar as ações a serem implementadas no segundo semestre, incluindo a possibilidade de um programa tributário estruturado, mesmo que este não seja, em alguns momentos, confortável”, disse Alê, de acordo com a ata.
Questionado novamente sobre medidas práticas, Alê afirmou que “se o franqueado ganhou pouco, a Cacau Show ganhou ainda menos”. Alê, então, “reconheceu a angústia e ansiedade dos franqueados, mas pediu que acreditassem que estão fazendo o melhor possível, embora seja necessário continuar estudando soluções”.
Procurado sobre as cobranças, a Cacau Show não se manifestou até a publicação do texto. O espaço permanece aberto para eventuais posicionamentos.
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Hugo Barreto/Metrópoles
Pesadelo
O Metrópoles revelou o pesadelo vivido por franqueados da Cacau Show com cobranças de taxas sem aviso prévio, perseguição contra quem questiona regras e sufocamento das lojas com envio de mercadorias “encalhadas” e perto do prazo de validade.
Como mostrou a coluna, são muitas as histórias parecidas. E elas começam com o encantamento, a “magia” da maior franquia de chocolates do país, a expectativa de um bom negócio, a empolgação com a realização de um sonho.
Até que chegam as primeiras cobranças, taxas e multas que não haviam sido mencionadas lá no início. Aditamentos do contrato, novos preços pelos produtos. Para continuarem funcionando, os franqueados encomendam mais produtos, na expectativa de vender mais e ter lucro. Surgem dívidas impagáveis com a franqueadora, avalizadas com bens como casas e carros do franqueados. É quando começa o pesadelo.
A coluna ouviu relatos de dezenas de franqueados. A maioria opta pelo anonimato por causa do medo. Além das retaliações, eles devem para a Cacau Show. Não conseguem sair sem assumir dívidas mirabolantes ou abrirem mão dos bens que foram dados como garantia. O contrato prevê, ainda, a interferência da Cacau Show na venda das lojas falidas, avaliando os compradores que passam a ser, também, franqueados da rede.
Dona Irene Angelis, ex-franqueada há quase uma década, vê um ciclo. “A sensação que eu tenho é que quanto mais franqueado quebrar, mais loja ele vai repassar, vai ganhar taxa de franquia, vai ganhar juros. Virou uma indústria. E ele lucra com tudo. Ficou bilionário deixando um rastro de pessoas quebradas”, revela dona Irene, que chegou a ter seis lojas da rede.
“É um rastro de gente doente, gente que perdeu a casa, que não consegue dormir, gente com problemas psicológicos”, completa. Dona Irene conta que ficou doente, desenvolveu síndrome do pânico e insuficiência cardíaca. Perdeu R$ 3 milhões.
“Quando você entra, quando você assina os contratos, é um mar de rosas. Depois, o contrato vai mudando, vai fazendo aditamento. E você já está amarrado, não tem como pular fora. Não tem essa de não tá bom, sai. Você já colocou o seu dinheiro”, relata.
“Perdi a vontade de viver, me sinto uma morta-viva”, conta uma franqueada que ainda tenta se desfazer da loja montada por ela. “Sonhei por muito tempo, envolvi toda a minha família, todo mundo ajudou. Quando as coisas começaram a dar errado, eu não aceitei, insisti, achei que, me dedicando mais, eu viraria o jogo”, pontua.
“Eu sentia que o problema era eu, já que via tantos casos de sucesso. Fui ficando doente e me endividando”, lembra. Ela conta ter uma dívida de R$ 750 mil e diz não saber como irá quitá-la. “Não sei como reagir, sinto medo e vergonha.”