Depois de mais de 70 testes recusados e anos conciliando trabalhos como garçonete, babá, passeadora de cães e produtora, Gabriela Amerth vive um dos momentos mais marcantes de sua carreira: a estreia de seu primeiro longa-metragem nos Estados Unidos. Em entrevista à coluna Fábia Oliveira, a jovem de 30 anos celebrou e deu detalhes sobre sua história.
“Sinto que esse é o momento de transição. Mesmo que eu complemente minha renda com fotografia e produção, as tarefas de atriz têm tomado cada vez mais parte da minha vida”, afirmou.
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Nascida no Engenho de Dentro, no Rio de Janeiro, Gabriela começou a estudar teatro aos 11 anos e nunca mais parou. Mesmo sem agente nos EUA, insistiu nas audições por conta própria e finalmente conquistou um papel interpretando Elizabeth, uma jovem neurodivergente. O filme foi exibido pela primeira vez no dia 31 de maio, no Los Angeles Latino Film Festival.
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“Gritava e pulava sem parar. Grande alívio, muita emoção, validação, felicidade”, relembrou a atriz sobre o momento em que soube que havia sido aprovada para Brownsville Bred, seu primeiro filme em Hollywood, após sete anos morando em Nova York.
Com participações já gravadas em Succession, da HBO, e em um filme da Prime Video, a artista quer mais: “Definitivamente quero usar do meu trabalho como veículo pra emocionar, e consequentemente fazer pensar”.
Confira a entrevista completa com Gabriela Amerth:
O que passou pela sua cabeça quando soube que foi aprovada para seu primeiro longa nos EUA, depois de mais de 70 testes?
Gritava e pulava sem parar. Grande alívio, muita emoção, validação, felicidade. Engraçado, porque desde que recebi a audição, senti uma alegria avassaladora. Como atriz sem representação de agentes é mais difícil conseguir oportunidades legais pra projetos significativos, então quando aconteceu de eu não só conseguir a audição, mas ser escalada, só faltei soltar fogos.
Brownsville Bred marca seu debut em Hollywood. Como foi o processo de construção da personagem Elizabeth, uma jovem neurodivergente?
Tentei abordar da maneira mais humana e respeitosa possível. Tive cautela na hora de trabalhar sua fisicalidade, e não quis usar de impedimentos físicos ou de fala. A primeira coisa que pensei foi não usar referências visuais, Elaine me mandou um filme que preferi não assistir. Foquei em estudar sobre o assunto, vivências reais, e na humanidade de Titi.
Apesar de ter feito muita pesquisa sobre neurodivergência, uma vez que entendi de forma médica como o comportamento pode ser afetado por hipóxia, foquei nas características que formam a personalidade dela, ao invés de colocá-la numa forma pré-definida. Hipóxia afeta cada um de maneiras diferentes, tem tantas variáveis… Nesse sentido, não seria justo, nem verdadeiro, abordar a personagem de forma diferente de qualquer outro personagem… Descobrindo sua personalidade através das páginas. Lendo o roteiro, percebi curiosidade, um apreço por estrutura e regras, que ela expressa seus sentimentos de forma inteira e verdadeira… Diferente da maioria dos adultos neurotípicos, que aprendem a se restringirem em público.
Titi é afetuosa, e ama muito. Depois olhei pra dentro e busquei em mim os momentos em que expresso meus sentimentos sem julgamentos externos. Para a segunda parte, vi vídeos de Titi e fiquei feliz de ter usado um tom de voz mais suave, parecido com o dela. Pensei que de certa forma, se ela aprende sobre o mundo com a Elaine de 9 anos, que é a pessoa com quem ela passa mais tempo, talvez Titi incorporasse algumas de suas características em sua própria vida. Como bons amigos que começam a usar expressões parecidas ou rir parecido. Mas ainda depois de ver os vídeos, preferi não usar de imitações de forma, acho que o fazer seria desrespeitoso. Peguei apenas dois momentos muito específicos da Titi real: quando ela dança, e uma repetição de movimento do dedão em momentos de agitação ou ansiedade. Queria honrá-la de alguma forma.
No final das contas, a compreensão da neurodivergência de Titi é importante, porque informa grande parte da vida dela, mas a abordagem de descoberta como atriz é como qualquer outro personagem: quem é essa pessoa?
Qual foi o momento em que você pensou: “Agora vai, agora estou vivendo da minha arte”?
Agora. Sinto que esse é o momento de transição. Mesmo que eu complemente minha renda com fotografia e produção, as tarefas de atriz têm tomado cada vez mais parte da minha vida e sinto que esse próximo semestre vai ser definitivo pra que minha rotina seja 100% focada em arte. Com o lançamento de Brownsville Bred nos cinemas em NY, e a gravação de outro filme que acontece esse mês, me sinto confiante que minha carreira toma voo.
Morar fora é o sonho de muita gente, mas na prática, pode ser bem desafiador. O que foi mais difícil para você nesse processo de adaptação?
Definitivamente, a solidão. Vivemos uma vida em comunidade no Brasil, e a gente não entende o tanto que isso alimenta a alma até se mudar para um lugar focado no indivíduo.
Você já fez de tudo nos EUA para se manter: de babá a passeadora de cães. Que aprendizados esses trabalhos trouxeram para a atriz que você é hoje?
Quanto mais vida você vive, e mais diversas são essas experiências, mais profundidade e variedade você tem como artista. Me sinto mais madura como profissional e pessoa. Sinto que dou mais valor as minhas conquistas também. Entendo a preciosidade de conseguir viver a vida que tanto busquei.
Você começou no teatro bem jovem, aos 11 anos. O que te fez se apaixonar pela atuação?
Acho que inicialmente veio de uma necessidade de escapar da minha realidade interna. Passei por muito bullying e lembro de querer viver as histórias que via nos filmes. Sonhava muito acordada.
Quando entrei no teatro, já na minha primeira aula me senti acolhida como em nenhum outro ambiente. Mérito de Maira Graber, minha primeira e grande professora, com quem aprendi por 5 anos. O ambiente era tão confortável, inclusivo e me deu minha primeira sensação de pertencimento completo. Depois entendi o quanto a arte afeta as pessoas, e me apaixonei ainda mais.
Na minha segunda peça, em 2007, lembro de um momento específico em que a plateia inteira riu de uma expressão que eu fiz, e aquela sensação me marcou muito. Acho que não há nada que me preencha mais do que fazer sentir. Me faz sentir viva. Atuar e estar 100% presente é também um grande alívio emocional. Gosto muito de saber que posso viver várias vidas em uma só.
O que mais mudou na Gabriela atriz de 11 anos para a Gabriela de hoje, com um filme em Hollywood?
Eu vivia nas nuvens e também achava que precisava de tudo imediatamente, e isso foi importante pra iniciar vários movimentos, mas a Gabriela de hoje sabe o tempo das coisas, e sabe o valor das coisas levarem tempo. A Gabriela de 11 anos se sentia muito inadequada, a de hoje entende que todos nos sentimos inadequados, e nenhum de nós é. A de 11 tinha respostas pra tudo, a de hoje entende que a vida são as perguntas e entende a beleza da relatividade. A de 11 sentia muito, mas sofria por se achar diferente, a de hoje segue sentindo muito e acha que essa é uma grande qualidade.
Você sente que sua arte é também uma forma de ativismo ou de dar visibilidade a histórias que nem sempre são contadas?
Sempre fui fascinada pelo poder da história narrativa em refletir mudança social. Acho que as pessoas tendem a se fechar para conversas e experiências reais, por conta da exaustão de viver mesmo, mas quando essas mesmas pessoas sentam com suas pipocas no cinema, no sofá, ou no teatro, é de coração aberto, completamente entregue ao que pode vir. Contar histórias é um dos melhores métodos de exercitar empatia, uma história bem contada faz o espectador vivenciar no seu próprio corpo as emoções dos personagens. E muitas vezes o espectador nem entende que houve mudança, porque não é no plano racional. Definitivamente quero usar do meu trabalho como veículo pra emocionar, e consequentemente fazer pensar.
Se pudesse escolher, com quem gostaria de atuar em um próximo projeto?
Fernanda Montenegro seria número 1, e gostaria que desse tempo, mas acho improvável. Vou te poupar da minha lista de 35 atores e atrizes e citar só alguns: Wagner Moura, Andrew Scott, Benedict Cumberbatch, Chukwudi Iwuji, Adam Driver, Imelda Staunton, Viola Davis, Olivia Colman, Adriana Esteves, Meryl Streep… Também gostaria muito de dividir as telas e os palcos com amigos talentosos que admiro tanto, como Caio Scot, Rebeca Jamir, e Maira Garrido.
Quais são os seus próximos sonhos profissionais?
Quero muito fazer uma série de fantasia, romance histórico, musical, sitcom estilo Toma Lá Da Cá, novela… Tantas coisas! Um filme do Christopher Nolan tá bem alto na lista também. Como pode ver, por aqui sonhamos baixo…