A Comissão de Ética Pública da Presidência República (CEP) decidiu impôr quarentena de seis meses ao ex-diretor-presidente da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e Parnaíba (Codevasf) Marcelo Moreira após interpretar que há conflito de interesse na proposta recebida por ele para trabalhar na Odebrecht.
Marcelo Moreira não aceitou bem a decisão do colegiado. Ele recorreu da decisão da CEP, mas não teve sucesso. O ex-diretor-presidente da Codevasf foi informado por e-mail que vai ter, sim, que cumprir quarentena.
Marcelo Moreira foi diretor-presidente da Codevasf de 28 de agosto de 2019 a 17 de junho de 2025. Agora, o ex-dirigente vai ter que esperar até o mês de dezembro para o exercer o cargo de diretor de contratos das Odebrecht.
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Ex-pesidente da Codevasf, Marcelo Moreira, em leilão do Baixio do Irecê
Divulgação/Codevasf2 de 3
Sede da Codevasf, em Brasília
Reprodução/Redes Sociais3 de 3
Sede da Codevasf
Codevasf
Neste período de seis meses, ele vai cumprir quarentena remunerada, ou seja, recebendo o mesmo salário que ganhava à frente da estatal. Em junho deste ano, a remuneração bruta de Marcelo Moreira foi de R$ 36.951,06.
Ao mesmo tempo que foi dura com o ex-presidente da Codevasf, a Comissão de Ética Pública liberou da quarentena o ex-diretor-geral da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) Rafael Vitale para trabalhar na Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). Conforme revelou a coluna, a empresa tem interesse direto nas decisões da agência reguladora e foi beneficiada em mais de R$ 3 bilhões por decisão do próprio Vitale.
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Ex-dirigente alega que não há conflito de interesse e Codevasf rebate argumentos
Ao apresentar recurso contra a decisão da Comissão de Ética, Marcelo Moreira afirmou que não existe conflito de interesses “real ou potencial” que justificassem a imposição da quarentena, e afirmou que o colegiado “adotou postura de precaução excessiva”.
“Em conclusão desse panorama comparado, observa-se que nenhum sistema bem estruturado penaliza o ex agente público sem um nexo concreto de lesão ao interesse público Todos caminham no sendo de coibir abusos reais (uso de informação privilegiada, favorecimento de empresa com a qual se teve relação, atuação em assunto diretamente ligado à anga função), mas não cerceiam a recolocação profissional legítima e desvinculada”, escreveu Marcelo Moreira, em sua defesa.
Recém-saído da Codevasf, ele argumentou que durante o exercício do cargo na estatal “não teve acesso a informações sigilosas ou estratégicas que pudessem ser utilizadas em benefício” da Odebrecht.
Além disso, argumentou que as atividades da construtura não têm relação setorial ou temática com as atribuições da Codevasf. Por fim, Marcelo Moreira disse que a Odebrecht e a estatal sequer têm vínculos contratuais e relação institucional.
A Comissão de Ética Pública rebateu os argumentos apresentados por Marcelo Moreira. O colegiado destacou uma série de atribuições finalísticas da Odebrecht que se cruzam com os objetivos da Codevasf.
Nesse sentido, a estatal lembrou que é uma empresa pública vinculada ao Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional, e que tem como “missão primordial o desenvolvimento integrado e sustentável das bacias hidrográficas do São Francisco e do Parnaíba”. “Atuando diretamente em obras e projetos que envolvem a infraestrutura hídrica, a engenharia civil e a implementação de serviços públicos correlatos”.
“A Odebrecht se dedica à execução de obras de engenharia, com ênfase em projetos de infraestrutura hídrica e civil, atuando no mercado privado com foco em serviços” que coincidem em escopo técnico e operacional com as atividades finalísticas da Codevasf.
“Essa sobreposição, que vai além de uma mera coincidência de setores, implica uma convergência prática na área de execução de obras e serviços ligados à gestão e desenvolvimento dos recursos hídricos”, endossou ao Comissão de Ética.
CEP fala em porta-giratória
A CEP lembrou ainda que Marcelo Moreira ocupou, por seis anos, o cargo de diretor-presidente da Codevasf. “Revela-se razoável presumir que tenha do acesso a informações estratégicas de natureza sensível, bem como que tenha estabelecido uma rede de relacionamentos institucionais com potencial de exercer influência significava sobre decisões nos âmbitos público e privado”.
Para evitar o fenômeno da porta-giratória na Administração Pública feral, a CEP impôs quarentena a ex-dirigente da Codevasf
“Trata-se, portanto, de conjuntura que reforça a necessidade de aplicação do regime de quarentena como instrumento de preservação da integridade administrava e de prevenção a conflitos de interesses, ainda que apenas em sua forma potencial”, completou o colegiado.
O que faz a CEP
Quando ministros, secretários e diretores deixam a Administração Pública Federal e recebem proposta para trabalhar na iniciativa privada, eles precisam consultar a CEP para saber se existe conflito de interesse na atividade, uma vez que possui informações privilegiadas.
Em caso positivo, o servidor é colocado em quarentena e recebe salário pelo prazo de seis meses. Após este prazo, ele fica liberado em exercer qualquer atividade livremente.
O objetivo é evitar o efeito porta-giratória, quando servidores do alto escalão mudam de lado de balcão e passam a atender aos interesses da iniciativa privada.
No entanto, conforme têm mostrado a coluna, nem sempre a CEP tem adotado essa postura. O colegiado chegou a liberar diretores de agências reguladoras em casos controversos de conflito de interesse.