Decisão do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), que autorizou operação da Polícia Federal em desfavor da Associação Moriá leva em consideração as suspeitas dos crimes de peculato e organização criminosa. A PF apura desvio de recursos públicos oriundos de emendas parlamentares destinadas à realização de jogos digitais.
Conforme revelou o Metrópoles na Coluna Grande Angular, a Associação Moriá recebeu R$ 53 milhões de parlamentares do Distrito Federal em dois anos. A entidade, chefiada por um ex-cabo do Exército, um motorista e uma esteticista, levou quase R$ 46 milhões para um programa que visava ensinar crianças e adolescentes a jogar os games Free Fire, Valorant, LoL, Teamfight Tactics e eFootball.
Dino, na decisão que teve o sigilo derrubado nesta quarta-feira (30/7), ressalta que a PF, por meio de levantamento da Controladoria Geral da União (CGU) “consolidou resultados bastante densos no sentido da malversação e da aplicação antieconômica dos recursos destinado”.
A investigação aponta irregularidades na execução de quatro Termos de Fomento (TF) de Jogos Estudantis Digitais (JEDIS), firmados entre a Associação Moriá e o Ministério do Esporte entre 2022 e 2023
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A CGU apontou que, em um dos contratos, “foram executados em valores de 315% mais caros que os valores executados” em outro no que se trata de locação de computadores gamers, que não ficam para o Estado.
De maneira geral, Dino considerou um panorama muito evidente de potencial desvio de recursos públicos e os resumiu em três tópicos:
- Direcionamento fraudulento de subcontratações por parte da Associação Moriá;
- Acordo espúrio entre essas empresas subcontratadas;
- Contratação de empresas de fachada.
Segundo apontamento da CGU, aproximadamente 90% dos recursos públicos federais recebidos pela Moriá foram redestinados a outras pessoas jurídicas ou físicas para a execução dos eventos.
“A própria entidade assume que não dispõe de funcionários ou pessoas capacitadas para execução dos serviços vinculados à execução desses eventos”, diz a decisão.
Além disso, segundo a decisão, “há fortes indícios de falsificação de alguns documentos, com a aposição fraudulenta de assinaturas”.
Parlamantares
Em dois anos, de 2023 a 2024, a Associação Moriá foi indicada para receber R$ 53 milhões de parlamentares do Distrito Federal.
Do valor total, R$ 8 milhões já foram efetivamente pagos: R$ 7,5 milhões enviados pelo senador Izalci Lucas (PL-DF) e R$ 500 mil da deputada distrital Paula Belmonte (Cidadania). Os parlamentares não foram alvo da operação.
Deputados e senadores de Alagoas, Acre, Espírito Santo e Rio de Janeiro também destinaram emendas à associação. Além do custeio do programa que ensina jovens a jogarem games como LoL e Free Fire, a Associação Moriá foi escolhida para executar projetos de cursinho do Enem, de combate à dengue, de empoderamento feminino e para apresentações musicais.
Veja quem são os autores das emendas individuais:
- ex-deputada federal Perpétua Almeida (PCdoB-AC): R$ 9,8 milhões;
- senador Izalci Lucas (PL-DF): R$ 7,5 milhões;
- ex-senadora Rose de Freitas (MDB-ES): R$ 5 milhões;
- deputado federal Fred Linhares (Republicanos-DF): R$ 4,9 milhões;
- ex-deputado federal Pedro Augusto (PP-RJ): R$ 4,7 milhões;
- deputado federal Gilvan Maximo (Republicanos-DF): R$ 1,9 milhão;
- deputada distrital Paula Belmonte (Cidadania-DF): R$ 500 mil;
- ex-senador Rodrigo Cunha (Podemos-AL): R$ 400 mil; e
- deputado federal Prof. Reginaldo Veras (PV-DF): R$ 400 mil.
Os repasses já realizados e que estão em fase de execução ou de prestação de contas são referentes a uma das emendas do ex-deputado Pedro Augusto (R$ 4 milhões), a uma emenda da ex-deputada Perpétua Almeida (3,1 milhões), e às emendas integrais do senador Izalci Lucas e da deputada Paula Belmonte. As demais não foram pagas ainda.
Millenium
A Associação Moriá ainda tem ligações suspeitas com a Millennium Eventos, do empresário Alejandro Ruben Parrilla, uma das subcontratadas pela ONG com recursos públicos.
A Millennium recebeu R$ 1 milhão da ONG para aluguel de equipamentos, ambulância, fornecimento de água mineral e kit alimentação para participantes de um projeto gamer, na edição do Rio de Janeiro.
O endereço da Associação Moriá no Setor de Rádio e TV Norte, informado nos documentos oficiais, pertence a um familiar de Alejandro Parrilla. A informação consta na matrícula do imóvel.
A reportagem apurou que a Associação Moriá funcionava, na verdade, em um outro local também ligado a Alejandro Parrilla.
As atividades da ONG eram desenvolvidas no Centro de Eventos Millennium Convention Center, que fica na Associação dos Servidores da Câmara dos Deputados (Ascade) e tem o empresário como um dos sócios. Alejandro Parrilla também era visto com frequência nos eventos realizados pela entidade.