O relatório final da Polícia Federal (PF) sobre um grupo que se valia de grilagem de terras da União no Pará para obter milhões em crédito rural mostra que os suspeitos usavam o código “passar batom” nas fraudes.
Segundo a PF, a expressão era uma gíria interna do grupo para a falsificação ou adulteração de documentos, com a finalidade de atribuir caráter de regularidade a terras griladas.
Como mostrou a coluna, a PF indiciou oito pessoas no caso. Um deles é Debs Antônio Rosa, apontado pela investigação como o líder do grupo, que utilizava documentos falsificados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) para as fraudes.
A investigação mostrou uma divisão desse esquema em diversas etapas. A falsificação de documentos era uma fases iniciais da fraude, e tinha o objetivo de conferir uma aura de legalidade ao restante das etapas.
O uso do jargão “passar batom” foi identificado pela PF durante a análise de conversas entre supostos membros do grupo. Em áudio obtido pela corporação, um dos envolvidos está falando sobre “um negócio que caiu na minha mão”. O assunto era uma terra de cerca de 2 mil hectares que estaria à venda.
“É passar um batom nela [na terra], vende ela igual o cara vendeu aquela outra por muitos milhões, cara, R$ 25 milhões. É só passar o batom. Caiu na minha mão, cara. Eu fiquei doidinho pra ter o dinheiro pra me comprar essa terra”, afirma na gravação transcrita pela PF.
A investigação sobre grilagem no Pará se dá no âmbito da operação Imperium Fictum, que também determinou o bloqueio de R$ 600 milhões dos suspeitos. São investigados os crimes de organização criminosa, corrupção, falsidade ideológica, uso de documento falso, grilagem de terras públicas, lavagem de dinheiro e fraude contra o sistema financeiro nacional.
Fases do esquema de grilagem investigado pela PF
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Conforme mostrou a coluna, o esquema era dividido em seis fases: a primeira era justamente a criação de processos falsos no Incra. Os documentos eram produzidos com numerações inexistentes e aleatórias.
A partir disso, o grupo criava “uma aura de legalidade em torno de terras públicas usurpadas, preparando o terreno para as etapas seguintes do esquema”.
Essas terras eram posteriormente comercializadas ou serviam como garantia para a obtenção de empréstimos bancários. Segundo a PF, foi possível mapear ao menos R$ 24 milhões em empréstimos.
A apuração também mostrou que o grupo se valia de “laranjas insconscientes” para levar a fraude adiante. Isso se dava por meio do uso de informações de terceiros, que sequer sabiam ser parte do esquema.
Com isso, o grupo fazia com que os laranjas figurassem como supostos proprietários originários dos títulos de propriedade, despistando indícios de envolvimento dos grileiros.
“Além das irregularidades nos números dos processos, foi verificada a utilização indevida dos dados de pessoas reais, que figuraram como ‘laranjas inconscientes’, sem o seu consentimento ou conhecimento”, afirma a PF em documento da operação à qual a coluna teve acesso.
Com a descoberta, a PF entrou em contato com os supostos laranjas para aprofundar a investigação sobre o uso indevido de seus dados e identificar se eles tinham ou não conhecimento sobre o fato.
Nesses contato, afirma a corporação, foi identificado que esses indivíduos não tinham ciência acerca do uso de seus dados, nem eram proprietários de terras que constavam nos processo do Incra sob suspeita – por isso o termo “laranjas inconscientes” utilizado na investigação.
Após entrar em contato, narra a PF, ficou “comprovado que essas pessoas, de fato, não tinham conhecimento de que seus nomes haviam sido usados no esquema criminoso”.
A coluna também tentou contatar essas pessoas. Delas, apenas três responderam, mas nenhuma quis se identificar.
As vítimas que falaram com a coluna, sob condição de anonimato, disseram não possuir qualquer terra, nem tinham conhecimento sobre a investigação da Polícia Federal. Dois dos entrevistados também afirmaram viver em Santarém (PB), localidade a mais de 500Km do local das propriedades, em tese, legalizadas em seus nomes.