Era junho de 2021 quando um esquema de fraude fiscal, que mais tarde se tornaria um império fantasma bilionário, deu seus primeiros passos para estruturar um complexo sistema interestadual. Com a abertura de empresas fictícias e um sofisticado sistema de sonegação e lavagem de dinheiro, o arranjo ilícito causou prejuízo direto de R$ 288 milhões aos cofres do Distrito Federal (DF).
A coluna conversou com a delegada Marcela Lopes, chefe-adjunta da Delegacia de Repressão aos Crimes contra a Ordem Tributária (DOT/Decor), da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF). À frente das investigações, ela deu detalhes de como atuavam os criminosos.
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Estrutura sofisticada
O ponto de partida da investigação teve como base autuações fiscais da Receita do DF, que identificaram fraudes na emissão de notas fiscais, uma vez que não ocorria o recolhimento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).
A polícia constatou que a estrutura criminosa teria criado 31 empresas “noteiras” (empresas de fachada) no DF, sendo que a primeira teria sido cadastrada em junho de 2021 e a última — na alçada da investigação — em março de 2023.
Juntas, as empresas fantasmas foram responsáveis pela emissão conjunta de mais de R$ 1,96 bilhão em notas fiscais, destinadas a duas empresas de fachada do Tocantins (TO), que, embora também fossem fictícias, possuíam estrutura física.
“Essas empresas eram fictícias, tinham apenas o CNPJ, e eram constituídas até mesmo em nome de pessoas que recebiam o benefício do Bolsa Família e nem sabiam da utilização de seus nomes”, contou.
Conforme apontado pela investigação, as firmas sediadas em Tocantins repassavam milhares de notas fiscais para o grupo investigado, sediado em Minas Gerais, com filiais em Goiás e Espírito Santo.
A delegada ressaltou que as empresas estão em nome de “testas de ferro” — pessoas colocadas como proprietárias dos negócios para ocultar a identidade do verdadeiro titular.
“Esses ‘testas de ferro’ eram empregados do grupo do mentor da fraude. Esse grupo tem empresas que de fato existem e que são conhecidas no ramo de metais e sucata, especialmente ferro”, detalhou.
Fundos de investimento
A estrutura operada para manter a origem ilícita do dinheiro “debaixo do tapete” implementou ferramentas de lavagem de dinheiro jamais vistas pela Delegacia de Repressão aos Crimes contra a Ordem Tributária.
A investigação revelou que o grupo criminoso usou Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDCs) como táticas para inserir grandes volumes de dinheiro no mercado formal de capitais, conferindo aparência de legalidade às movimentações e dificultando o rastreamento da origem ilícita.
“Isso é o mais atípico. É a primeira vez que a gente chega num fundo desse e, basicamente, mais de 90% dos direitos creditórios dele pertencem às empresas.”
Segundo Marcela Lopes, os integrantes do esquema injetavam um grande volume de dinheiro, fazendo com que o valor virasse cotas de fundo formalmente lícitas. “Dessa forma, o fundo começava a girar com poucos cotistas, mas basicamente só supostos direitos creditórios, que na verdade não existem.”
“A gente já tem conhecimento desse meio de lavagem de dinheiro, mas foi a primeira vez que a gente se deparou com o uso de um fundo”, sinalizou a delegada.
Além da lavagem de dinheiro, via fundos de investimento e empresas de fachada, o grupo utilizou outros mecanismos sofisticados, como a compra de aeronaves e a montagem de um haras com movimentação milionária.
“Esse haras chegou a movimentar uma quantia 17 vezes maior do que a declarada. No entanto, boa parte dessa quantia não tem a ver com as atividades do haras e cavalos, mas com empresas de sucata, de ferro e de metais”, disse Marcela.
Alvo de operação
Nessa quarta-feira (27/8), o esquema foi alvo de operação policial. A ofensiva, denominada Falso Fidc, cumpriu 15 mandados de busca e apreensão, sequestrou 11 imóveis, 90 veículos, um helicóptero, um avião modelo King Air e bloqueou cotas de um Fundo de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC) avaliado em R$ 95 milhões na Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
A investigação contou com o apoio da Polícia Civil de Minas Gerais e com dados da Subsecretaria da Receita do DF (Surec/Sefaz), que identificou as conexões entre as empresas. Os trabalhos da polícia continuam para identificar as funções executadas por cada integrante da organização criminosa. “A gente já sabe quem é o mentor, mas buscamos mais detalhes.”
Os suspeitos poderão responder por organização criminosa, lavagem de dinheiro, falsidade ideológica e crimes tributários.