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    Construtora compra milhões em títulos para legalizar prédio de luxo

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    Um prédio de luxo construído irregularmente no Itaim Bibi (zona oeste de São Paulo), que sofreu ameaça de demolição pela prefeitura, comprou créditos imobiliários e abriu caminho para regularizar a situação.

    A novela vivida pela construtora São José começou em 2023, quando o imóvel foi embargado pela gestão Ricardo Nunes (MDB) por ter sido construído sem os créditos necessários, os chamados Cepacs (créditos que permitem que as construções ultrapassem o limite básico permitido em determinada área).

    O imóvel de 24 andares, localizado na Rua Leopoldo Couto de Magalhães, foi barrado quando estava com 82% das obras concluídas. O projeto do Edifício Saint Barths prevê 20 apartamentos com metragem entre 382 m², com cinco vagas de garagem, a 739m², com oito vagas. O empreendimento tinha 14,5 mil m² de área construída.

    A prefeitura chegou a entrar com uma ação pedindo a demolição do imóvel por infringir regras como construir sem Alvará de Execução e em proporção superior ao coeficiente de aproveitamento básico permitido. A situação, porém, acabou mudando após a Câmara Municipal incluir artigo em lei que possibilitava a regularização.

    Milhões em créditos

    O leilão de créditos foi realizado pela administração municipal nessa terça-feira (19/8), com a comercialização de 94,8 mil títulos, totalizando R$ 1,668 bilhão em receitas.

    De acordo com o advogado da construtora São José, Edgard Leite, a empresa comprou R$ 66,8 milhões em Cepacs, o que permitirá que o processo do prédio avance.

    O caminho para que o prédio pudesse se adequar começou em junho, com uma decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), que declarou a legalidade de uma lei que permite a regularização de imóveis por meio da compra dos créditos. Um artigo foi incluído por vereadores na revisão da Operação Urbana Faria Lima e vinha sendo questionado pelo Ministério Público de São Paulo (MPSP).

    O MPSP, embasado em resposta oficial da Subprefeitura de Pinheiros, argumentava que o artigo era ilegal por beneficiar apenas um edifício. A Câmara Municipal, porém, sustentou que havia outros prédios que também poderiam ser beneficiados.

    “Segundo o levantamento preliminar, existem aproximadamente mais de seis dezenas, 60 imóveis, que vão ser beneficiados com essa regularização”, disse o advogado Edgard Leite.

    Ele ainda afirmou que, com exceção da falta das Cepacs, o prédio já seguia os critérios urbanísticos definidos pela lei. “Nós vamos fazer essa regularização, mas, para que isso ocorra, a primeira providência que nós temos que fazer é pegar o volume desses 3.800 Cepacs e fazer a vinculação deles na matrícula do imóvel, que é onde se encontra construído o edifício”, explicou.

    Para além disso, de acordo com Leite, haverá o pagamento de uma multa de 45%, o que equivale a cerca de 200 unidades habitacionais de interesse social. Depois, será feito o pedido de regularização à Secretaria Municipal de Licenciamento.

    O que diz a lei

    • O artigo foi incluído em 2024 em um projeto que teve a primeira votação dois anos antes. O decreto legislativo foi aprovado em uma votação simbólica no início de julho.
    • A gestão Ricardo Nunes (MDB), que havia até cogitado demolir o prédio irregular, sancionou o artigo que permite a regularização de imóveis através da compra de créditos dentro da Operação Faria Lima e pagamento de percentual como punição pela irregularidade.
    • As operações urbanas estabelecem regras e incentivos ao adensamento construtivo para uma determinada área da cidade. Por meio da venda de Cepacs, a prefeitura consegue créditos para fazer melhorias e investir em habitação especificamente dentro do perímetro da operação – que foi estendida, abrangendo também a favela de Paraisópolis.
    • O trecho do artigo da lei aprovada prevê que é possível regularizar empreendimentos mediante a compra de Cepacs.

    Disputa de versões

    O MPSP afirmou na ação que o Edifício Saint Barths era o único empreendimento irregular dentro da área da operação urbana, de acordo com a Subprefeitura de Pinheiros.

    A resposta do órgão municipal à promotoria explicou que “temos periodicamente vistoriado as construções de edifícios residenciais e comerciais na jurisdição da Subprefeitura de Pinheiros, não tendo sido encontrado nenhum outro empreendimento atualmente irregular [além do prédio embargado]”. Para o MPSP, o adendo à lei original não tratava do tema e ainda violava o princípio da impessoalidade.

    Durante o julgamento do Órgão Especial do TJ, a Procuradoria da Câmara, em sustentação oral, afirmou que a prefeitura teria informado que havia ao menos mais três imóveis com dívida de Cepacs, sem dar detalhes da dimensão dos casos.

    “Consultamos a Secretaria de Urbanismo e Licenciamento e são apontados pelo menos mais três imóveis que estariam devendo Cepacs. Identificam-se três grandes empreendimentos, dois na Faria Lima e um na rua Frederico Chopin, que estariam irregulares e, portanto, se beneficiariam dessa revitalização da Operação Urbana”, afirmou o procurador-chefe da Câmara Municipal, Paulo Augusto Baccarin.

    Após as sustentações do MPSP e da Procuradoria da Câmara, o relator do caso, desembargador Luiz Antônio Figueiredo Gonçalves, deu razão à alegação do Legislativo paulistano e votou pela improcedência da ação.