A deflagração da Operação Carbono Oculto, pela Receita Federal e outros órgãos, uma megaoperação para desarticular um esquema criminoso bilionário no setor de combustíveis com envolvimento de integrantes do Primeiro Comando da Capital (PCC), trouxe à baila uma série de “artimanhas” dos criminosos para não deixarem rastros de suas atividades ilícitas.
Na mira dos investigadores, estão vários segmentos da cadeia de combustíveis que eram controlados pelo crime organizado, entre os quais a importação, a produção, a distribuição e a venda para o consumidor final. Para isso, os grupos criminosos tentavam “blindar” ou ocultar o patrimônio – e faziam isso por meio de fintechs e fundos de investimentos, o que acaba ligando as fraudes reveladas pela operação à Faria Lima, centro financeiro da maior cidade do país.
Fintechs são empresas que introduzem inovações no mercado financeiro por meio do uso intenso de tecnologia, com potencial para a criação de novos modelos de negócios. Elas atuam por meio de plataformas on-line e oferecem serviços digitais relacionados ao setor.
No Brasil, há várias categorias de fintechs, como as de crédito, pagamento, gestão financeira, empréstimo, investimento, financiamento, seguro, negociação de dívidas, câmbio e multisserviços.
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As brechas aproveitadas pelos criminosos
Um dos pontos cruciais da organização criminosa, de acordo com as investigações, era a blindagem do patrimônio dos envolvidos. “Os valores eram inseridos no sistema financeiro por meio de fintechs, empresas que utilizam tecnologia para oferecer serviços financeiros digitais. A Receita Federal identificou que uma fintech de pagamento atuava como ‘banco paralelo’ da organização criminosa, tendo movimentado mais de R$ 46 bilhões de 2020 a 2024”, afirma a Receita.
Os criminosos controlavam várias instituições de pagamento menores, criando, assim, uma espécie de camada dupla de ocultação do patrimônio. “A fintech também recebia diretamente valores em espécie. Entre 2022 e 2023, foram efetuados mais de 10,9 mil depósitos em espécie, totalizando mais de R$ 61 milhões. Este é um procedimento completamente estranho à natureza de uma instituição de pagamento, que opera apenas dinheiro escritural”, afirmam os investigadores.
Ainda segundo a Receita, a “utilização de fintechs pelo crime organizado objetiva aproveitar brechas na regulação desse tipo de instituição”. “Essas brechas impedem o rastreamento do fluxo dos recursos e a identificação, pelos órgãos de controle e de fiscalização, dos valores movimentados por cada um dos clientes da fintech de forma isolada.”
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Operação Carbono Oculto
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Operação Carbono Oculto
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Megaoperação cumpre mandados contra esquema em postos de combustíveis e fintechs controlados pelo PCC
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Megaoperação cumpre mandados contra esquema em postos de combustíveis e fintechs controlados pelo PCC
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Cerca de 1 mil postos movimentaram R$ 52 bilhões entre 2020 e 2024
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A megaoperação descobriu que pelo menos 40 fundos de investimentos foram utilizados como estruturas para ocultação de patrimônio
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São cumpridos cerca de 350 mandados de busca e apreensão a pessoas físicas e jurídicas em oito estados pelo país
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Operações financeiras por meio de fintechs dificultavam o rastreamento dos valores que eram transacionados
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Foram sonegados mais de R$ 7,6 bilhões em impostos, segundo a megaoperação
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Proprietários dos postos de combustíveis venderam seus estabelecimentos ao grupo criminoso e eram ameaçados de morte caso fizessem alguma cobrança
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Há indícios de que lojas de conveniência e padarias também parcipavam do esquema
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“Contas-bolsão” deixavam clientes “invisíveis”
Uma das brechas de que os criminosos teriam se aproveitado, de acordo com a investigação, é a chamada “conta-bolsão”. Trata-se, em linhas gerais, de uma conta bancária de pessoa jurídica, aberta por uma fintech, que funciona como uma espécie de “reservatório” para a movimentação mais fácil de dinheiro de muitos clientes.
Na prática, esse tipo de conta acaba tornando as transações de terceiros mais difíceis de serem rastreadas, o que dificulta a detecção de crimes financeiros. Segundo as investigações, essas fintechs usavam as contas em bancos comerciais para esconder a origem e os destinatários dos valores – criando uma camada adicional entre o cliente final e a instituição financeira tradicional.
Era assim que as operações de compensação financeira entre as distribuidoras e os postos de combustíveis eram feitas, assim como as compensações financeiras entre as empresas e os fundos de investimento administrados pelos próprios criminosos. Além disso, as fintechs eram utilizadas para efetuar pagamentos de colaboradores e gastos e investimentos pessoais de operadores do sofisticado esquema criminoso.
Por meio das “contas-bolsão”, o cliente acaba ficando “invisível”, já que seu nome não aparece nos extratos das transações efetuadas no banco comercial. As autoridades, portanto, têm maior dificuldade para fazer o rastreamento da origem e do destino do dinheiro porque o nome do cliente não está ligado à conta-bolsão – apenas o nome da fintech.
A modalidade tem sido uma das mais usadas por criminosos para a lavagem de dinheiro justamente porque dificulta a identificação dos verdadeiros titulares ou beneficiários e oculta os valores movimentados.
Por fim, o uso criminoso da conta-bolsão acaba protegendo ativos contra eventuais bloqueios judiciais e quebras de sigilo, seja para pessoas físicas ou para organizações criminosas. Como grande parte dos bancos comerciais que possuem essas contas-bolsão não têm um controle adequado sobre os clientes das fintechs, o risco de atividades ilícitas é potencializado.
Trocando em miúdos, por meio das contas-bolsão, a fintech deposita em apenas uma conta o dinheiro de diversos clientes, o que torna mais difícil o rastreamento do saldo de quem, por exemplo, está mergulhado em dívidas ou é alvo de investigações. Somente a fintech, em suas planilhas internas, sabe, efetivamente, de quem é o dinheiro.
Grupo criminoso controlava 40 fundos de investimentos
De acordo com a Receita Federal, já foram identificados pelo menos 40 fundos de investimentos, com patrimônio de R$ 30 bilhões, ligados ao PCC. Eles eram, em sua maioria, fundos fechados com um único cotista – em geral, outro fundo de investimento, o que aumentava as camadas de ocultação do patrimônio.
Entre os bens adquiridos por esses fundos, estão um terminal portuário, quatro usinas produtoras de álcool, 1.600 caminhões para transporte de combustíveis e mais de 100 imóveis.
Segundo a Receita Federal, as investigações apontaram que “o sofisticado esquema engendrado pela organização criminosa, ao mesmo tempo que lavava o dinheiro proveniente do crime, obtinha elevados lucros na cadeia produtiva de combustíveis”.
“O uso de centenas de empresas operacionais na fraude permitia dissimular os recursos de origem criminosa. A sonegação fiscal e a adulteração de produtos aumentavam os lucros e prejudicavam os consumidores e a sociedade”, afirma a Receita.
Os suspeitos de envolvimento no esquema usavam importadoras que atuavam como “interpostas pessoas, adquirindo no exterior nafta, hidrocarbonetos e diesel com recursos de formuladoras e distribuidoras vinculadas à organização criminosa”.