Exatos dois anos após o ocorrido, a influencer que denunciou o cirurgião-dentista Gustavo Chiovatto Najjar (foto em destaque) de estuprá-la decidiu falar pela primeira vez sobre o caso. O crime aconteceu no dia 17 de agosto de 2023, no consultório do profissional, em um shopping na área central de Brasília.
“O que, naquela época, me fez decidir denunciar foi acreditar que essa pessoa nunca mais faria isso com ninguém. Mas é tão frustrante, tão doloroso, quando a gente vê que o processo criminal termina, você supostamente vence, mas nada acontece. No caso, nada acontece com essa pessoa, mas com a vítima, tudo acontece”, desabafa a jovem, que não terá a identidade divulgada.
Veja o relato:
Condenado a seis anos de prisão, em 2024, pelo estupro da influencer, Gustavo segue com o registro ativo no Conselho Regional de Odontologia do Distrito Federal (CRO-DF). Mesmo após ser denunciado por ao menos outras sete mulheres que o acusaram de importunação sexual, ele continua atendendo na mesma clínica onde estuprou as mulheres.
A 3ª Vara Criminal de Brasília, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), condenou o especialista em harmonização facial a cumprir a pena inicialmente em regime semiaberto. A defesa do réu recorreu da sentença, mas o recurso ainda não foi julgado. O processo tramita em sigilo.
Em um vídeo publicado pelo empresário e dentista Iran Maldi, a vítima desabafou sobre a sensação de impunidade diante do seu caso. Em um relato emocionante, ela contou que a vida dela mudou drasticamente desde que sofreu o abuso.
“Você passa a não viver, você sobrevive. Vive com medo de ir ao mercado, de ir até a esquina. Tem medo não só pelo que podem fazer com você, mas pelo que podem fazer com quem você mais ama”, diz.
Após o episódio traumático, ela tomou a difícil decisão de denunciar seu agressor à Justiça, com a esperança de impedir que ele tornasse a machucar outras pessoas. No entanto, um ano após o início do processo, ela relata frustração, medo e uma sensação de abandono pelo sistema judicial.
Apesar de o processo ter chegado ao fim, com uma decisão judicial que indicaria algum tipo de responsabilização, a vítima afirma que, na prática, o agressor segue impune. Enquanto isso, ela lida diariamente com as consequências emocionais e sociais da violência sofrida.
Hoje, ela não trabalha, não estuda e não tem vida social. Vive escondida, sob constante de medo. Mora em uma casa alugada em nome de terceiros, utiliza um celular registrado por outra pessoa e não possui conta bancária em seu nome.
“É um nível de dor, de tortura, que eu não desejo para ninguém. Eu posso dizer, com total propriedade, o quanto a injustiça e a impunidade machucam. Ferem.”
O sentimento de injustiça é agravado pelo contraste entre sua vida — marcada pelo medo e pelo isolamento — e a do agressor, que, segundo ela, segue vivendo normalmente, como se nada tivesse acontecido.
“É muito difícil ver tantas pessoas boas sendo punidas por situações tão pequenas, e pessoas que realmente deveriam estar sendo punidas vivendo tranquilamente.”
Estupro de influencer
Gustavo ficou conhecido em 2023. À época, a vítima havia conhecido o dentista por meio das redes sociais. A influencer teria ido ao consultório dele após ter sido convencida pelo profissional a realizar uma avaliação na intenção de ser submetida a um procedimento de harmonização facial.
Ao chegar ao consultório do dentista, já no fim do expediente, o homem pediu para que a vítima mostrasse os procedimentos que ela tinha feito em seu corpo, já que ela havia realizado diversas cirurgias estéticas após um grande processo de emagrecimento. Acreditando na boa-fé do dentista, a jovem deixou que ele analisasse o seu corpo. Porém, quando estava olhando os seus glúteos, o autor disse que precisava testar a sua sensibilidade e lhe desferiu um tapa em suas nádegas.
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Áudio. Nova vítima denuncia dentista: “Pediu para morder minha bunda”
Constrangida, a vítima disse que precisava ir embora, mas o dentista a agarrou e passou a estuprar a vítima. A mulher tentou se desvencilhar, dizendo que queria ir embora e passou a gritar que queria sair. O dentista puxou a vítima novamente, ato que fez um rasgo em sua calça, e afirmou que ninguém a escutaria, pois não havia mais ninguém no local.
Em pânico, a influenciadora não conseguiu mais resistir, e o autor consumou o ato sexual. Após concluir o crime, o autor voltou a conversar com a vítima sobre os procedimentos estéticos que faria, como se nada tivesse acontecido.
Ainda em choque, a mulher foi embora e se encontrou com seu ex-marido e com seu filho, os quais a aguardavam passeando no shopping onde o autor atende. No caminho para casa, a vítima contou para o ex-marido o que tinha acontecido. Em seguida, o casal foi até uma delegacia e registrou a ocorrência policial.
O laudo de confronto de material genético realizado pelo Instituto de Pesquisa e DNA Forense da Polícia Civil do Distrito Federal (IPDNA/PCDF) atestou que o material biológico coletado na vítima de estupro possuía DNA idêntico ao do dentista. Um outro laudo elaborado pelo IML já havia confirmado que a mulher apresentava lesão corporal compatível com abuso sexual.
Em setembro de 2023, Najjar foi alvo de mandado de prisão temporária. Ele permaneceu preso por 16 dias e, posteriormente, foi posto em liberdade. A defesa dele refutou a prática de qualquer crime.
O juiz Omar Dantas Lima do TJDFT entendeu que a autoria do crime ficou comprovada através de depoimentos e documentos. O magistrado apontou que a aflição da mulher após o abuso sexual foi captada por uma câmera de segurança do lado de fora da clínica.
Depois que a primeira vítima denunciou, outras sete procuraram a polícia. Quatro delas acionaram a PCDF de forma anônima.
Processo ético no CRO-DF
De acordo com a Resolução CFO-59/2004, o processo ético pode ser instaurado pelo presidente do Conselho Regional de Odontologia, seja por ofício, denúncia ou representação formal. Antes da abertura oficial, a Comissão de Ética deve emitir um parecer inicial, indicando se há indícios de infração ao Código de Ética Odontológica e apontando o respectivo enquadramento.
Segundo fontes do próprio CRO-DF ouvidas pela reportagem, apesar de outras sete denúncias de pacientes por importunação sexual e da condenação de Gustavo por abuso sexual, a autarquia não instaurou qualquer apuração interna com base no código de ética da profissão. Também não foram aplicadas medidas como a suspensão do registro profissional ou restrições ao exercício da atividade.
Aas vítimas de Gustavo não denunciaram a conduta dele diretamente ao Conselho Regional de Odontologia, assim como o Ministério Público não enviou ofício, e a autarquia também optou não fiscalizar por conta própria — embora tivesse prerrogativa para agir de ofício.
Ao Metrópoles o CRO-DF informou que não foi formalmente provocado para adotar qualquer medida no âmbito ético-disciplinar.
“Sem provocação formal, sem acesso aos elementos probatórios que se encontram sob sigilo judicial e sem a participação direta da vítima, o CRO-DF não dispõe de base legal ou fática para instaurar processo ético-disciplinar, sob pena de violar direitos fundamentais e expor a vítima a novos constrangimentos”, esclareceu.
De acordo com a autarquia, qualquer apuração interna neste caso está diretamente condicionada ao desfecho do processo criminal, que tramita sob sigilo.
“Importa destacar que o magistrado responsável pela sentença, mesmo tendo acesso integral às provas, não impôs qualquer restrição ao exercício profissional do acusado. Nessas condições, o CRO-DF não poderia impor limitação semelhante sem respaldo formal, sob pena de violar a lei e os direitos constitucionais envolvidos”, disse.