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    Mães contam jornadas desafiadoras de amamentação com bebês prematuros

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    O mês dedicado à conscientização e valorização do aleitamento materno está chegando ao fim. Para fechar o Agosto Dourado, mães que passaram por diversas dificuldades inerentes a amamentação de prematuros dão relatos emocionantes sobre essa fase.

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    Kaísa Raiane dos Santos Silva e Thalita Iasmin Dutra dividiram suas jornadas e contam como conseguiram manter o aleitamento materno, o que foi essencial para o desenvolvimento de seus bebês.

    Aos 29 anos, a advogada Thalita revela a difícil — e gratificante — trajetória que viveu ao ter sua primeira filha, Aurora Dutra Mendes, 1 ano e 11 meses. A pequena nasceu prematura, com 34 semanas de gestação e não pode mamar logo após o parto.

    Aurora precisou ir direto para UTI e só ir ao seio materno depois de tirar o respirador, o que levou cerca de um dia, o bastante para interferir no processo de amamentação. Thalita conta que, nas primeiras vezes, ela quase não mamava em função da prematuridade e da sonolência. “Fazíamos estímulos para ela conseguir ficar acordada e mamar”, lembra.

    O uso da sonda na translactação ajudou. Advogada comenta que, durante a internação, a ajuda dos profissionais do hospital e o fato de ela se recusar a introduzir bicos e chupetas foram aspectos fundamentais para que ela conseguisse amamentar.

    Quando tiveram alta da UTI Neonatal, começou um novo processo marcado por muita dor e diagnósticos errados. Foi necessária persistência e força para manter o aleitamento. Quando Aurora estava com quatro meses, Thalita estava prestes a desistir quando visitou uma consultora de amamentação muito recomendada.

    “Ela identificou tensões na parte de baixo da língua e falta de mobilidade. Com 5 meses, fizemos a cirurgia e fonoterapia e parei de sentir dor para amamentar. Tudo mudou”, lembra, contando que tinham visitado outras profissionais que não tinham identificado o problema.

    Depois da cirurgia, houve melhora na amamentação, e Aurora voltou a ter mobilidade no corpo e um atraso motor que a prejudicava a pegar coisas próximas foi recuperado. “Foram 5 meses de dor e luta a cada mamada, mas eu sinto que vencemos, sinto que consegui. Hoje, encerramos nossa história com a amamentação, foi uma história com início, meio e fim. Eu achei que não passaríamos de 1 mês, portanto, me sinto vitoriosa”, completa.

    Thalita ressalta que profissionais capacitados e que tratem as mães e bebês com acolhimento são imprescindíveis e acredita que as dificuldades enfrentadas em sua primeira experiência com a amamentação a fortaleceram e vão ajudar na próxima vez, já que ela está grávida e se prepara para receber seu segundo bebê.

    Sem desistir

    Aos 38 anos, a servidora pública Kaísa Raiane dos Santos Silva é mãe de Lucas Santos Silva Miranda, de 3 anos, e de Gabriel Santos Silva Miranda, de 8 meses de idade cronológica e 5 meses de idade corrigida. “Também sou mãe do Rafael, gemelar do Gabriel que voltou ao céu e de outros dois anjinhos, frutos de abortos espontâneos”, revela.

    A primeira experiência com a amamentação foi desafiadora. Seu bebê não era tão gordinho e isso fez com que alguns profissionais indicassem intervenções para sanar o que chamaram de problema. “Chegaram a sugerir o uso prolongado de translactação e de leite artificial, porque para muitos, um bebê saudável é aquele que é bem redondinho”, lembra.

    Entre visitas ao Banco de Leite Humano e consultas com inúmeros profissionais, alguns bons e outros bem ruins, ela encontrou apoio em um grupo de mães com filhos que se pareciam com Lucas: bebês saudáveis, que cresciam e atingiam todos os marcos de desenvolvimento, mas eram magrinhos.

    “Com o apoio das pessoas certas, retomei a confiança na amamentação. Fizemos alguns ajustes e desde então, ele segue saudável, lindo e mamando no peito até hoje”, revela. No entanto, com a chegada de Gabriel, os desafios foram ainda maiores.

    O pequeno nasceu de 28 semanas de gestação, considerado um prematuro extremo, passou por diversas intercorrências e recebeu inúmeros diagnósticos. O pequeno ficou três meses intubado. “Me pediram para oferecer chupeta logo após a extubação, dizendo que ele precisava de conforto, sendo que o que ele precisava era de mim, do meu colo, do meu seio, do método canguru”, lembra.

    Ela também foi aconselhada a introduzir a fórmula para que o bebê ganhasse peso, além de dizer que, em função do diagnóstico de alergia à proteína do leite (APLV), ela teria dificuldade de manter uma dieta de exclusão.

    Kaísa ordenhava diariamente, para que o bebê pudesse receber seu leite por meio de sonda e em uma das intercorrências, ele precisou passar alguns dias em dieta zero, o que deu a ela a chance de eliminar o leite de sua rotina.“Decidi não desistir. Continuei ordenhando, doando o leite para o BLH e todos os dias olhava para ele, aguardando ansiosamente o momento em que ele finalmente poderia voltar a se alimentar”, conta.

    Assim que a saúde do bebê se estabilizou, ele pode, finalmente, ir ao seio da mamãe pela primeira vez. “Seria apenas para estímulo e por cinco minutos, ele quis muito mais! Chamei a equipe que o acompanhava naquele dia e todos muito emocionados, entenderam que ele deveria continuar. Aquele era o nosso momento”, conta, emocionada.

    Gabriel mamou por 15 minutos, sem dessaturar, sem desconforto respiratório, “mostrando a todos a força que um prematuro tem. Nunca foi fácil, mas desistir nunca foi uma opção”. Kaísa ressalta que o bebê luta todos os dias pela vida e que ela faz questão de oferecer o seu melhor ao filho, o que inclui o aleitamento materno.

    A servidora conta ainda, por diversas vezes durante as internações, pensava estar vivendo o último dia com o filho e que ele se juntaria ao gêmeo Rafael. “Mas ele me olhava profundamente, dizendo que não iria desistir. O Gabriel é força, é resiliência, é meu ensinamento diário, meu controle da ansiedade. Ele é a cura que eu nem sabia que precisava”, declara-se.

    Atualmente, ela amamenta tanto Gabriel, quanto o primogênito, que mesmo tão novo, divide a mãe com o irmão com o maior amor do mundo. Kaísa é uam adepta da amamentação prolongada e afirma que um novo bebê não é motivo para interromper o processo com o mais velho.

    “Quando o Gabriel mamou, entendi que vencemos. Foi a vitória contra todos os que duvidaram da capacidade de um prematuro extremo de mamar”, comemora. Ela conta que o filho segue em internação domiciliar, em seio exclusivo, sob livre demanda e que o momento de maior estabilidade é quando ele está mamando.

    “Escolhi nutrir o Lucas e o Gabriel com o melhor leite do mundo e essa foi a minha melhor escolha. Se tornar mãe é um processo que pode trazer sacrifícios e a amamentação pode ser desafiadora. Mas, quando bem conduzida, torna-se mais leve”, afirma, aconselhando ainda que as mulheres que enfrentam dificuldades busquem ajuda profissional e conhecimento, lendo bastante a respeito, para que não sejam enganadas ou mal orientadas.

    Cada gota vale

    Márjorie Benedetti Marion, de 30 anos, é nutricionista e mãe do Enrico, de 2 anos de idade, e de Enzo, com apenas 2 meses. A mãe conta que o filho mais velho nasceu de 27 semanas e com 625 gramas, o que fez com que a amamentação demorasse dois meses para iniciar.

    “Confesso que foi um processo muito difícil, porque precisamos esperar ter peso adequado e não estar mais em uso de oxigênio para então iniciar os treinamentos para que depois ele pudesse ir ao peito de verdade”, explica.

    A mãe explica que o processo foi longo e muito esperado pela família. Mais que a amamentação tardia, as condições de nascimento do Enrico fizeram com que o bebê precisasse ficar internado na UTIN, o que impactou na sua produção de leite.

    “Apesar disso, independente da quantidade, eu estava lá todo dia no banco de leite ordenhando para fazermos a translactação e ele receber o máximo possível do meu leite”, acrescenta Márjorie. “Mesmo eu dando o meu máximo, não conseguimos ficar apenas no peito, fomos pra casa com fórmula e logo em seguida houve o desmame.”

    Márjorie e Enrico, de 2 anos de idade

    Mesmo com pouco tempo de amamentação no peito, Márjorie ressalta que foi um período muito importante para ela: “Ser alimento para ele nos momentos mais difíceis da vida dele foi especial.”

    Quase dois anos depois, a nutricionista vive outra experiência com Enzo, que a cerca de dois meses está no aleitamento materno exclusivo.

    Após as experiências na UTIN, Márjorie diz não esquecer do que ouvia das técnicas e enfermeiras do banco de leite: cada gota vale! “Eu me apeguei a isso, e cada 1mL do meu leite que eu conseguia tirar para eles, já era uma vitória. E assim eu consegui passar por esse processo.”

    Para quem está vivendo a amamentação de um bebê prematuro a mãe reforça: não desista. “Eu digo com convicção que vale a pena cada ordenha, cada xícara de chá que precisei tomar pra me ajudar, cada garrafa de água batida no dia. Não deixe que pessoas de fora te digam que isso não é possível ou que você não vai conseguir, pense apenas no seu filho e eu tenho certeza que você chegará.”

    Os principais desafios na amamentação de prematuros

    Uma das primeiras dificuldades relacionadas a bebês prematuros e à amamentação acontece quando eles não têm condições clínicas de sugar o seio materno. O uso de suporte ventilatório ou a falta de estabilidade de saúde da mãe ou do bebê estão entre as principais razões, explica a médica pediatra neonatologista Sandra Lúcia Andrade, coordenadora da UTI Neonatal do Hospital Santa Lúcia, de Brasília.

    Outro fator que interfere diretamente na possibilidade do bebê ir ao seio é a idade gestacional. A médica neonatologista pediatra Marta Rocha acrescenta que, embora o reflexo de sucção comece a se desenvolver por volta das 28 e 30 semanas de gestação, esses recém-nascidos ainda não desenvolveram completamente a coordenação entre sucção, deglutição e respiração.

    “Essa tríade de prontidão só é estabelecida e segura após as 34 semanas de idade gestacional e só se inicia se o bebê está estável do ponto de vista respiratório e cardíaco. Nos prematuros extremos, aqueles nascidos com idade gestacional menor ou igual a 28 semanas, esse desenvolvimento é ainda mais imaturo, o que torna a alimentação oral direta totalmente ineficaz”, completa a diretora da Fundação de Ensino e Pesquisa em Ciências da Saúde (FEPECS).

    Enquanto não podem mamar, os prematuros são alimentados por sondas

    Marta comenta ainda que, nessa fase, o bebê está gastando toda sua reserva energética para manter respiração, aquecimento e hemodinâmica para se manter vivo, o que também impede que ele gaste energia tentando mamar. O esforço para se alimentar pode ser maior do que o ganho energético, o que não é saudável.

    Sendo assim, os prematuros extremos e os prematuros leves a moderados, que nascem antes das 28 semanas e antes das 34, respectivamente, precisam esperar um pouco mais para tentar mamar pela primeira vez.

    Como incentivar e facilitar o aleitamento de prematuros

    • Comece a ordenhar o leite o mais cedo possível após o parto, idealmente nas primeiras 6 horas, mesmo que saia pouco colostro.
    • A ordenha frequente, a cada 2 ou 3 horas, inclusive à noite, é essencial para estabelecer e manter uma boa produção de leite. “Use bombas elétricas de boa qualidade ou aprenda a ordenha manual”, indica Marta.
    • Invista no contato pele a pele ou método canguru. A neonatologista explica que o método não só fortalece o vínculo e estabiliza o bebê, como também estimula a produção de leite e os reflexos de busca e sucção do bebê, preparando-o para a mamada direta.
    • “A transição para a amamentação direta pode ser um processo longo e gradual. Não se sinta culpada se o bebê demorar a mamar no seio ou se precisar de complementação. Cada gota de leite materno é valiosa”, incentiva a médica.
    • A presença de fonoaudiólogos como parte da equipe neonatal é imprescindível. É a profissional quem vai avaliar se o bebê está apto ou não para iniciar a sucção e também a intensidade dessa sucção e deglutição.
    • É este profissional que orienta as mães sobre posicionamento e técnicas de transição segura da sonda para o seio ou copinho, e que atua na prevenção de aversão oral.
    • Enquanto esses bebês ainda não podem ir ao seio, a alimentação deve ser administrada por meio da gravidade, com o uso de uma sonda que passa pela boca ou pelo nariz e vai até o estômago.
    • Quando há a necessidade de complementação depois que o bebê já começou a mamar no seio, ela pode ser oferecida no copinho e também por translactação, com uma sonda fina fixada no peito da mãe, próximo ao mamilo. Assim, o bebê suga o seio materno e a sonda ao mesmo tempo. Na outra extremidade, essa sonda fica mergulhada num copinho com o leite materno que a mãe conseguiu ordenhar ou então o leite pasteurizado no Banco de Leite.
    • “⁠O leite da própria mãe sempre é a melhor opção. Quando temos em pequeno volume ou por outras circunstâncias não temos, usamos o leite pasteurizado. Quando não é possível, lança-se mão das fórmulas”, acrescenta Sandra.
    • O uso de bicos artificiais, incluindo mamadeiras, chupetas e as chamadas “chuquinhas”, feitas com luvas furadas, por exemplo, deve sempre ser evitado no início, afinal eles podem causar a confusão de bicos e fazer com que o bebê pare de mamar no seio.
    • Busque apoio profissional e conte com a equipe de saúde dos bancos de leite, como enfermeiros, fonoaudiólogos e consultores de amamentação.
    • “Cuide de si mesma. A jornada da prematuridade é exaustiva. Descanse sempre que possível, alimente-se bem e hidrate-se. Peça ajuda para as tarefas domésticas e para cuidar de outros filhos, se houver. O bem-estar da mãe é fundamental para a produção de leite e para o cuidado com o bebê”, completa Marta.