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    Marketing em looping: o cliente agora dita a jornada

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    Durante anos, o funil de vendas foi o principal modelo adotado por marcas e agências para entender e estimular o comportamento de consumo: levar o cliente da descoberta até a conversão, com etapas bem definidas. Mas, esse modelo linear tem perdido espaço em um cenário em que o consumidor não segue mais uma trilha previsível até a compra e, muito menos, para além dela.

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    A mudança de comportamento tem impulsionado uma transformação nas estratégias de growth. Em vez de priorizar conversões únicas, as marcas agora olham para métricas como lifetime value (LTV — valor do ciclo de vida do cliente), retenção e recorrência, que apontam o valor gerado ao longo da vida do cliente e não apenas no momento da compra.

    Seria o colapso do modelo linear?

    O funil clássico — consciência, consideração, decisão e retenção — já não consegue mapear com precisão a jornada digital dos consumidores.

    Segundo o estudo “Decoding Decisions — making sense of the messymiddle ”, do Think with Google, a decisão de compra hoje é resultado de um processo fragmentado: os consumidores interagem com mais de 500 pontos de contato digitais antes de fechar uma compra de alto envolvimento. Eles pesquisam, comparam, reconsideram e retrocedem, em um ciclo que ignora a lógica linear.

    “Os clientes entram e saem do funil em múltiplos pontos, misturando descoberta, comparação e recompra de forma não sequencial. Essa complexidade tem obrigado profissionais de marketing a abandonarem métricas centradas apenas na conversão imediata.”

    Pedro Paulo Alves, co-founder da Boomer e especialista em marketing digital

    Paola Müller, strategy director do Brivia_Group, avalia que converter mais não significa apenas otimizar campanhas, mas gerar experiências que motivem a decisão de compra de forma natural e recorrente. Essa conversão nasce da convergência entre dados, contexto e criatividade: entender o momento propício, o canal adequado e a mensagem certa.

    Ela só se sustenta, porém, quando está inserida em uma lógica maior de valor contínuo, em que o relacionamento com o cliente não termina no ato da venda, mas se aprofunda a partir dela. Isso exige um marketing que una tecnologia e sensibilidade humana para alimentar jornadas vivas, personalizadas e recorrentes.

    “As decisões dos consumidores hoje não seguem um percurso previsível, elas orbitam a experiência, a conveniência e a relevância. Por isso, o papel do marketing é manter a marca em movimento constante dentro desse fluxo, assumindo uma estratégia completa que trabalhe os atributos de marca e, ao mesmo tempo, performance.”

    Paola Müller, strategy director do Brivia_Group

    A strategy director da Brivia—Group assegura que no “funil em looping” existe a exigência de um ajuste no papel da marca para que ela estabeleça uma relação de troca de valor contínuo, e isso reflete em pensar a marca como uma plataforma viva, em que conteúdo, CRM, mídia, dados e tecnologia trabalham juntos para mantê-la presente e relevante, mesmo fora dos momentos de compra.

    Cada ponto de contato pode ser um gatilho de reengajamento, seja uma recompra, uma recomendação ou uma interação nas mídias sociais. Isso demanda consistência e visão de longo prazo.

    O looping também permite que o marketing deixe de ser apenas custo de aquisição e passe a ser motor de retenção e amplificação. Em tempos de otimização de investimentos, cresce a importância da adoção do LTV como métrica-norte em detrimento do foco na diminuição do CAC (custo por aquisição).

    O funil em looping

    Diante dessa nova realidade, ganha força o conceito de “funil em looping”, no qual a venda não é o fim, mas o início de um ciclo contínuo de valor. O consumidor pode voltar para a etapa de descoberta mesmo após uma compra ou saltar diretamente para a recompra com base em boas experiências anteriores.

    “Estamos vendo uma mudança fundamental na forma como as marcas pensam sobre crescimento. A pergunta deixou de ser ‘como converter mais?’ para se tornar ‘como criar valor contínuo?’”, afirma Pedro Paulo.

    Como as marcas estão se adaptando?

    A transição do marketing centrado em conversão para um modelo focado em valor exige transformações em várias frentes.

    Marcas que lideram essa mudança estão reestruturando as estratégias de conteúdo, mídia e mensuração para priorizar o relacionamento com o cliente e a permanência na jornada.

    Veja abaixo como isso tem se refletido na prática:

    Conteúdo: de funil para ecossistema

    O conteúdo deixou de ser apenas uma etapa do funil para se tornar parte de um ecossistema contínuo de valor. Em vez de campanhas isoladas, as marcas estão apostando em narrativas de longo prazo, com foco em educação, comunidade e utilidade real para o consumidor.

    Segundo a Salesforce, 88% dos consumidores dizem que a experiência oferecida por uma empresa é tão importante quanto produtos e serviços. Isso transforma o conteúdo em pilar estratégico de fidelização.

    Mídia: investimento em jornadas, não só em cliques

    Ao invés de concentrar verba em anúncios de performance voltados apenas para aquisição, as marcas estão diversificando os investimentos para mapear e sustentar toda a jornada do cliente, inclusive pós-venda.

    Isso inclui ações em canais próprios (como e-mail marketing, aplicativos e programas de fidelidade), influenciadores de nicho e estratégias de CRM multicanal.

    Mensuração: KPIs que refletem relacionamento e valor

    A escolha das métricas certas é essencial para sustentar essa virada. Em vez de avaliar o sucesso apenas pelo CPL (custo por lead) ou pela taxa de cliques, marcas mais maduras estão adotando indicadores como:

    • LTV (Lifetime Value): valor total que um cliente gera ao longo do tempo.
    • Taxa de recompra: quanto do faturamento vem de clientes que já compraram.
    • Retenção: quanto tempo o cliente permanece ativo.
    • Engajamento contínuo: abertura de e-mails, uso de apps, resposta a campanhas recorrentes.

    “Essas mudanças refletem uma visão mais estratégica do marketing: menos pressão por resultados imediatos e mais construção de ativos duradouros, como reputação, comunidade e fidelização”, destaca o co-founder da Boomer.

    Cultura, não só tecnologia

    Apesar das vantagens, a adoção desse novo modelo não é trivial. Requer mudanças estruturais, processos criativos mais flexíveis e uma nova mentalidade sobre o que significa crescer.

    “Estamos falando de uma transformação cultural. Mais do que perseguir conversões imediatas, as empresas precisam enxergar valor em construir relações duradouras com seus consumidores — mesmo que isso leve mais tempo para gerar retorno”, reforça Pedro Paulo.

    Essa abordagem ganha ainda mais força em setores baseados em recorrência, como moda, alimentação, tecnologia e assinaturas. “E as marcas que conseguirem liderar essa virada podem conquistar uma vantagem competitiva sólida e duradoura”, acrescenta o especialista.

    Em um mundo em que a atenção está cada vez mais fragmentada e os consumidores têm mais opções do que nunca, a verdadeira disputa talvez não esteja mais na conversão, mas na permanência.

    A pergunta que fica é: como criar experiências que façam o cliente voltar, engajar e recomendar e não apenas comprar?