Entidades que foram beneficiadas por emendas da deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP) apresentaram um pedido para atuar como “amicus curiae” no processo que a parlamentar move contra a ativista feminista Isabella Cêpa no Supremo Tribunal Federal (STF).
O processo é um recurso de Hilton contra decisões do Ministério Público Federal (MPF) e da Justiça Federal que arquivaram a denúncia de transfobia do Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP) contra Cêpa.
As entidades que querem ingressar no processo são a Aliança Nacional LGBTI+; a Associação Brasileira de Famílias Homotransafetivas (ABRAFH); a Associação Comunitária, Cultural e de Apoio Social – Fórum Nacional de Travestis e Transexuais Negras e Negros (Fonatrans); e a Associação Mães pela Diversidade. Duas delas receberam emendas parlamentares de Erika Hilton: a Aliança Nacional LGBTI+ e a Fonatrans.
Em julho de 2024, a primeira recebeu R$ 300 mil de Hilton para “desenvolver e implementar um sistema de monitoramento de ‘fake news’ contra a comunidade LGBTI+ no Estado do Paraná”.
Já a Fonatrans recebeu R$ 400 mil em emendas da deputada, em duas parcelas. O objeto é a “formação social e profissional de pessoas transgêneros negras e negros na grande São Paulo, capital, Araraquara e adjacências”.
Apesar de o projeto ser direcionado a São Paulo, a sede da Fonatrans é em Picos, cidade piauiense de 83 mil habitantes a 260 quilômetros da capital Teresina.
O termo “amicus curiae” significa “amigos da corte” em latim. Se o pedido for atendido, as entidades passam a acompanhar o processo e a subsidiar o tribunal com informações, pontos de vista e posicionamentos. Seus advogados também ganham o direito de falar à Corte no dia do julgamento, caso ele seja realizado presencialmente.
Duas dessas entidades — a Aliança Nacional LGBTI+ e a ABRAFH — têm como presidente o ativista Antônio Luiz Martins Harrad Reis, mais conhecido como Toni Reis.
Os “amicus” não tem obrigação de apresentarem um ponto de vista neutro ou imparcial sobre a questão em apreço. Seu papel é representar um dos pontos de vista em disputa. A entrada das entidades é uma forma de agregar peso político ao caso e fazer pressão.
As entidades pediram o ingresso como “amicus” nos dias 18 e 26 deste mês. A decisão sobre aceitar ou não cabe ao relator do caso, o ministro Gilmar Mendes. Como mostrou antes a coluna, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, se manifestou no começo do mês contra a pretensão de Erika Hilton.
Isabella Cêpa: pedido mostra desespero de Erika Hilton
À coluna, Isabella Cêpa avaliou que a entrada das entidades é sinal de “desespero” do movimento transativista.
“Li a peça rindo. Percebo que a crise, antes de tudo, é estética. Me diverte porque revela o desespero de quem tinha um plano ‘infalível’, que falhou”, disse Isabella Cêpa à coluna.
Para Cêpa, a entrada das entidades “num processo contra uma cidadã qualquer como amicus curiae não é sinal de força, é sinal de que alguém apertou o botão do pânico”, avaliou.
“Prova o que sempre soubemos: tentaram me fazer de exemplo para calar mulheres. Agora imploram para que o meu caso não vire justamente a jurisprudência que vai libertá-las a falar o que todo mundo pensa”, afirmou.
“Com essa eles não contavam. É o que homens fazem: com dinheiro pensam que podem controlar tudo, só esquecem que tudo o que eles podem fazer, nós podemos fazer sangrando”, declarou.
“É o preço que se paga por subestimar a inteligência de uma mulher: sobra para eles apenas espernear e apelar para truques mais acrobáticos do que jurídicos”, concluiu Cêpa.
Erika Hilton: processo é sobre respeito a decisões do STF
À coluna, Hilton disse ter tomado conhecimento do pedido das entidades por meio do contato da reportagem e parabenizou as organizações.
“Fiquei sabendo que as organizações entraram com o pedido de amicus curiae por meio desta própria coluna. Fico feliz, demonstra a atenção delas a um tema que vai muito além de mim, que é sobre o respeito às decisões constitucionais do STF”, afirmou.
“Não entendo o choque desta coluna, visto que o objetivo expresso destas organizações é justamente defender os direitos e as prerrogativas legais das populações LGBTQIA+”, acrescentou.
Processo começou por Cêpa chamar Erika Hilton de homem
O caso de Erika Hilton contra Isabella Cêpa teve início em 2020, por conta de uma publicação da ativista feminista nas redes sociais. Comentando o resultado das eleições municipais daquele ano, Cêpa escreveu: “Decepcionada. Com as eleições dos vereadores, óbvio. Quer dizer, candidatas verdadeiramente feministas não foram eleitas. A mulher mais votada é homem”, em referência a Erika.
Na ocasião, Erika Hilton conquistou seu primeiro cargo eletivo ao eleger-se vereadora pelo PSOL em São Paulo (SP), com 50.508 votos. Antes, integrou um “mandato coletivo” na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), mas a titular do mandato era a jornalista Mônica Seixas.
Atualmente, Cêpa vive em um país não identificado do Leste Europeu, que lhe concedeu o status de refugiada política. Segundo ela, o sigilo sobre a localização é necessário devido a ameaças de morte que estaria sofrendo.
Fora do Brasil, o caso tem sido citado por ativistas feministas críticas ao que consideram abusos do movimento trans. Nesta quinta-feira, a escritora britânica J.K. Rowling, criadora do universo Harry Potter, compartilhou uma postagem no X (antigo Twitter) sobre o caso da brasileira.
A publicação de Isabella Cêpa sobre a eleição de 2020 resultou em denúncia do Ministério Público de São Paulo (MP-SP). Posteriormente, o caso foi enviado à Justiça Federal. O Ministério Público Federal (MPF) decidiu pelo arquivamento da investigação. Para o procurador da República responsável, a postagem não constitui crime.
Hilton recorreu contra a decisão do MPF, mas foi derrotada — a Justiça Federal concordou com o arquivamento. Após isso, a deputada recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF), utilizando o instrumento da Reclamação — recurso cabível sempre que a jurisprudência do tribunal é contrariada. Segundo seus advogados, o arquivamento afronta a decisão do STF que, em 2019, equiparou a transfobia ao crime de racismo.