Mais de um terço da população brasileira (36,3%) sofreu tentativa de golpe virtual em um período de 12 meses, o equivalente a mais de 61,3 milhões de pessoas acima dos 16 anos. Além disso, o celular virou a porta de entrada dos crimes contra o patrimônio e facções como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV) escolhem as vítimas em bancos de dados clandestinos, acessando, preferencialmente, os mais ricos, mais escolarizados e em uma faixa etária que varia dos 29 aos 60 anos.
As conclusões fazem parte da “Pesquisa de Vitimização e Percepção sobre Violência e Segurança Pública 2025: um olhar sobre crime patrimonial e violência”, divulgada nesta quinta-feira (14/8) pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) e produzida pelo Datafolha.
Segundo a pesquisa, 27,6% dos integrantes das classes A e B afirmaram ter sido vítimas de contatos criminosos no período entre julho de 2024 e junho de 2025, a partir da obtenção de dados pessoais, com ameaças e tentativa de conseguir dinheiro. Como comparação, foram 16,4% na população das classes C, D e E, uma diferença de 11 pontos percentuais.
“Isso mostra que não é aleatório”, afirma Renato Sérgio de Lima, diretor presidente do FBSP. “Eles estão escolhendo quem atacar. Aquelas centrais telefônicas [para aplicar golpes] não são para todo mundo”.
Segundo Lima, a pesquisa mostra que, proporcionalmente, os mais ricos, mais escolarizados e na faixa dos 29 aos 60 anos têm sido as vítimas preferenciais dos criminosos.
O presidente do FBSP diz também que hoje existe o conceito de “entorno digital”, em que a realidade passa a acontecer tanto em um espaço físico quanto no virtual. Nesse contexto, pessoas com maior renda e escolaridade têm mais interações online e estão mais sujeitas a vazamento de dados. “Ao mesmo tempo que facilitou a vida, o celular é a porta do céu ou do inferno”, diz.
O crime organizado consegue selecionar esse tipo de vítima ao cruzar informações presentes em bancos de dados que são alugados no mercado clandestino com o pagamento em criptomoeda.
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Outro dado relevante mostra que quem teve o celular roubado ou furtado ficou mais vulnerável aos golpes financeiros. Segundo a pesquisa, a vítima que teve o aparelho subtraído viu aumentar a chance de sofrer um crime virtual (3,7 vezes mais).
Crime organizado
Baseado na pesquisa, o relatório produzido pelo FBSP mostra que o PCC e o Comando Vermelho passaram “a diversificar as atividades, atuando de forma sistemática em fraudes bancárias e golpes digitais, com o uso do Pix, WhatsApp e cartões clonados”.
No início, os golpes se davam a partir de ligações feitas de dentro dos presídios, mas o que se tem detectado nos últimos anos é uma nova estrutura das facções para cometer esse tipo de crime. Segundo o FBSP, operações policiais realizadas recentemente mostraram um “novo patamar de sofisticação, com a identificação de ‘call centers’ estruturados por facções criminosas para aplicação sistemática de golpes, demonstrando o grau de profissionalização e expansão dessa atividade no país”.
“Deixou de ser um golpe amador para ser um golpe em escala, em linha de produção”, afirma o diretor presidente do fórum.
Segundo o levantamento, 9,3% dos entrevistados sofreram roubo ou furto de celular no período de 12 meses, o que equivale a mais de 15 milhões de brasileiros acima dos 16 anos. Entre as pessoas ouvidas pelo Datafolha, 84,8% declararam ter smartphones, o equivalente a 143,2 milhões.
Os crimes contra o patrimônio têm migrado para a internet, segundo as recentes pesquisas do FBSP. Entre 2018 e 2024, houve um crescimento de 408% da taxa de estelionatos registrados pela polícia, enquanto os roubos (quando é usada violência física contra a vítima) tiveram redução de 50%.
Poder público
Lima diz que, anteriormente, se afirmava que facções como o PCC investiam em maconha como uma espécie de capital de giro da cocaína. “Hoje em dia, o capital de giro é o ouro, é o desmatamento e é o crime virtual, que é alimentado pelo celular”, afirma.
O Poder Público não está preparado para lidar com esse tipo de problema, segundo o especialista. “Pouco aparelhado, inclusive, em termos legais”, citando também a falta de cooperação entre os entes da federação.
O presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública diz também que estados que contam com programas de devolução de celulares às vítimas são mais efetivos.