Mensagens obtidas pela Polícia Federal (PF) mostram que a propina cobrada em contratos da área da Educação em cidades do Maranhão variava conforme o produto contratado.
Em conversa sobre o município de Buriti Bravo (MA), dois investigados mencionam a suposta cobrança de “35 livro; 30 projetos; 25 laboratório”, sinalizando diferentes valores de retorno ilegal a depender do objeto da contratação.
Segundo o relatório da PF, a estratégia dos intermediários era equilibrar os percentuais, oferecendo valores menores em alguns contratos e elevando a cobrança em outros, como no caso dos livros, que tinham o maior percentual.
“Aqui é 25”, escreveu um dos suspeitos em um dos diálogos incluídos no documento.
Logo depois, o outro respondeu “Espero”, detalhando a divisão de percentuais. Para os investigadores, esse diálogo demonstra como o grupo ajustava as negociações de propina conforme o tipo de material fornecido às prefeituras.
Mensagens obtidas pela PF no âmbito da operação Lei do Retorno
As descobertas fazem parte da operação Lei do Retorno, que apura o desvio de cerca de R$ 50 milhões em recursos públicos da Educação no Maranhão. Os valores saíam principalmente de contratos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (Fundeb) para a aquisição de materiais didáticos.
Em outro momento, os investigados citam um diálogo com referência dos investigados ao município de Estreito (MA). Em áudio, um dos intermediários afirma que seria necessário pagar a empresa antes de uma reunião com a secretária municipal, “pra quando chegar na reunião já tá totalmente no nosso lado”.
Para a PF, o diálogo evidencia o “modus operandi” da organização criminosa, que usava os “presentinhos” -como era chamada a propina – como garantia de influência sobre decisões de gestores locais.
Os percentuais cobrados variavam entre 25% e 35% do valor dos contratos, de acordo com as mensagens analisadas. Em Presidente Dutra, por exemplo, um dos interlocutores menciona que o acordo “ficou em 35”, em referência ao valor que seria desviado da prefeitura.
Como mostrou a coluna, as investigações começaram em janeiro de 2022, após a apreensão de R$ 575 mil em espécie com dois intermediários do grupo.
Na ocasião, também foram confiscados os celulares dos investigados, que forneceram os diálogos usados pela PF para rastrear o esquema.
Entre os suspeitos estão políticos e servidores públicos, incluindo o então prefeito de Caxias e atual secretário estadual de Agricultura, Fábio Gentil, e sua namorada, a deputada estadual Daniella Jadão Meneses. Ambos negam qualquer irregularidade.
Operação Lei do Retorno
A operação Lei do Retorno foi inicialmente deflagrada em 19 de agosto com o cumprimento de 45 mandados de busca e apreensão contra investigados. Foram apreendidos carros, joias, R$ 54 mil em espécie e um cheque de R$ 300 mil.
As ações seguiram na segunda fase, deflagrada dois dias depois, em 21 de agosto, quando o número de buscas subiu para 94 e, até agora, já foram apreendidos cerca de R$ 2,5 milhões entre valores em dinheiro, cheques e veículos apreendidos.
São investigados os crimes de formação de organização criminosa, corrupção ativa e/ou passiva, peculato, fraudes em licitações e lavagem de dinheiro, cujas penas, se somadas, podem chegar até 52 anos de prisão.
Defesa
A coluna entrou em contato com Fábio Gentil e com a deputada Daniella por meio de suas respetivas assessorias.
Em nota, Fábio nega que tenha envolvimento nas irregularidades investigadas pela PF e informou que vem colaborando integralmente com as autoridades envolvidas na Operação Lei do Retorno, apresentando todos os esclarecimentos solicitados à Justiça Federal por intermédio de seus advogados.
“Reitera respeito e confiança no trabalho sério da Polícia Federal e da Justiça Federal, certo de que, ao final, ficará demonstrado não haver qualquer envolvimento seu nas supostas irregularidades precipitadamente noticiadas”, afirmou.
Por se tratar de investigação sob sigilo, a assessoria de Fábio Gentil disse que ele não comentará detalhes das apurações neste momento, mas “mantém seu compromisso com a legalidade, a transparência e com a população de Caxias (MA).
Já Daniella, também em nota, disse que considera “absurdas as ilações da Polícia Federal” envolvendo seu nome.
“A ausência de provas reforça que não há qualquer indício de irregularidade em minha conduta; confio plenamente no trabalho das instituições e respeito o segredo de justiça estabelecido para o caso”, afirmou.
Ela disse ainda que sua equipe jurídica acompanha a situação de perto e, assim como ela, “está inteiramente à disposição para eventuais esclarecimentos”.
“Sigo com a consciência tranquila e reafirmo meu compromisso com a legalidade, a transparência e o respeito ao interesse público”, concluiu.