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    Casal de políticos maranhenses recebeu propina por desvios, diz PF

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    A investigação da Polícia Federal (PF) sobre desvios na área da Educação no Maranhão indica um suposto esquema de corrupção que teria como beneficiários principais o ex-prefeito de Caxias (MA) e atual secretário de estado da Agricultura, Fábio Gentil, e sua namorada, a deputada estadual Daniella Jadão Cunha (PSB).

    Segundo a PF, o casal teve papel chave na concretização dos contratos sob suspeita de empresas com envolvimento nos desvios. Ambos negam qualquer irregularidade.

    Como mostrou a coluna, o caso veio à tona em janeiro de 2022, quando a Polícia Rodoviária Federal (PRF) apreendeu R$ 575 mil em espécie no interior de um veículo Toyota Corolla. O dinheiro estava sob responsabilidade de dois investigados, apontados como intermediários do esquema.

    A apuração do caso desde então resultou na deflagração da operação Lei do Retorno no final de agosto, mirando o esquema que teria causado prejuízos de cerca de R$ 50 milhões aos cofres públicos.

    “Com o desenvolvimento das investigações, apurou-se a existência de organização criminosa responsável não somente pelo desvio de recursos públicos federais da educação no município de Caxias (MA), mas em outros diversos municípios, através do pagamento de propina a servidores públicos, dentre eles Fábio José Gentil Pereira Rosa, atual prefeito do município de Caxias [ele deixou o cargo no início de 2025] e Daniella Jadão Meneses Cunha, atual deputada estadual”, diz a PF.

    Em relatório, a corporação afirma que a quantia que estava sendo transportada pelos suspeitos seria entregue a um servidor do município de Caxias, o qual repassaria, em tese, os valores em espécie a Fábio Gentil e Daniella, “demonstrando-se assim, o fluxo da propina recebida em decorrência do favorecimento/direcionamento para contratação” de uma das empresas suspeitas.

    Segundo a apuração, o carro em que o dinheiro foi encontrado estava registrado em nome da mãe da deputada. Além disso, diz a PF, um dos transportadores da quantia é tio da parlamentar.

    As investigações mostram ainda que o pai da deputada também teria se beneficiado dos trâmites ilegais. Documentos verificados pela Polícia Federal indicam que ele recebeu R$ 170 mil em repasses, feitos por um dos intermediários  flagrado transportando os R$ 575 mil.

    Os repasses teriam sido fracionados: R$ 70 mil diretamente para a conta do pai da parlamentar, enquanto outros R$ 100 mil teriam sido enviados a uma concessionária. Com esse valor, diz a PF, o pai da deputada adquiriu um veículo.

    PF deflagra segunda fase da operação Lei do Retorno no MaranhãoAgentes durante a segunda fase da operação Lei do Retorno no Maranhão

    Mensagens indicam fluxo de propina

    Embora a investigação aponte Caxias como um dos núcleos do esquema, a investigação identificou indícios de replicação do mesmo modelo em outros municípios maranhenses. Um levantamento da Controladoria-Geral da União (CGU) no Maranhão mostrou que, entre 2017 e 2021, apenas uma das empresas sob suspeita recebeu quase R$ 27 milhões em contratos de diversas prefeituras.

    Durante a apreensão dos R$ 575 mil, ainda em 2022, também foram levados os celulares dos dois investigados que estavam no carro abordado pela PRF. A análise dos aparelhos trouxe indícios da movimentação do dinheiro.

    Diante disso, a PF traz em seu relatório mensagens que tratam sobre contratos em outros municípios e citam que os diálogos verificam “de forma clara a suposta intermediação direta de Daniella Jadão Meneses Cunha para a contratação da referida empresa por diversas prefeituras do estado do Maranhão”, além de apontar para o recebimento de valores indevidos por ela e outros envolvidos.

    Em uma das conversas, trocada no mesmo dia da apreensão, o funcionário da prefeitura que receberia o dinheiro manteve contato com um dos transportadores, indicando que ele estava a sua espera.

    Outro diálogo, desta vez entre um dos intermediadores e o dono de uma da empresas suspeitas, ainda em 2021, mostra ambos falando sobre contratos com outro município do Maranhão. O intermediador então encaminha, de um terceiro interlocutor ao empresário, a seguinte mensagem: “pra ela 15”.

    “É possível que as mensagens sejam referentes à vantagem indevida – propina, que pode ser “15% do valor do contrato pra ela (Deputada)”, diz a PF.

    Em outro diálogo, os mesmos interlocutores conversam sobre contratos com prefeituras do estado e o empresário encaminha um áudio utilizando a expressão “nossa chefa”. Segundo a PF, o termo seria em referência à Daniella.

    “Através da mensagem de áudio acima, [o empresário] utiliza a expressão “Nossa Chefa”. Verifica-se novamente indícios da participação da Deputada Daniella sobre os contratos”, diz trecho do relatório da corporação.

    Fraudes em contratos

    De acordo com a Polícia Federal, os contratos supostamente fraudulentos em Caxias foram direcionados pelo então prefeito Fábio Gentil, em articulação com servidores públicos municipais. A afirmação é baseada em supostos encontros entre Fábio e um do intermediadores do esquema.

    As propostas, segundo o relatório, “eram apresentadas aos servidores públicos antes mesmo da existência de quaisquer Termos de Referência, ocorrendo, desse modo, a montagem de procedimentos de inexigibilidade para viabilizar o repasse de valores para a empresa, com Termos de Referência e contratos elaborados com base especificamente na proposta da empresa”.

    “O investigado Fábio José Gentil segue o mesmo modus operandi de negociação com as empresas investigadas anteriormente à contratação destas, as quais são viabilizadas pelos servidores públicos municipais que somente realizam a posteriori a montagem de procedimentos fraudulentos de inexigibilidade de licitação, viabilizando o repasse de recursos públicos do FUNDEB”, afirma a PF.

    Ainda sobre o ex-prefeito, a corporação afirma que “foram identificados elementos de informação robustos acerca de supostas negociações referentes ao recebimento de propina pelos investigados Fábio Gentil, através da realização específica de Processos Administrativos de Inexigibilidade de Licitação, com a montagem de documentos por servidores públicos municipais”.

    Defesa

    A coluna entrou em contato com Fábio Gentil e com a deputada Daniella por meio de suas respetivas assessorias.

    Em nota, Fábio nega que tenha envolvimento nas irregularidades investigadas pela PF e informou que vem colaborando integralmente com as autoridades envolvidas na Operação Lei do Retorno, apresentando todos os esclarecimentos solicitados à Justiça Federal por intermédio de seus advogados.

    “Reitera respeito e confiança no trabalho sério da Polícia Federal e da Justiça Federal, certo de que, ao final, ficará demonstrado não haver qualquer envolvimento seu nas supostas irregularidades precipitadamente noticiadas”, afirmou.

    Por se tratar de investigação sob sigilo, a assessoria de Fábio Gentil disse que ele não comentará detalhes das apurações neste momento, mas “mantém seu compromisso com a legalidade, a transparência e com a população de Caxias (MA).

    Já Daniella, também em nota, disse que considera “absurdas as ilações da Polícia Federal” envolvendo seu nome.

    “A ausência de provas reforça que não há qualquer indício de irregularidade em minha conduta; confio plenamente no trabalho das instituições e respeito o segredo de justiça estabelecido para o caso”, afirmou.

    Ela disse ainda que sua equipe jurídica acompanha a situação de perto e, assim como ela, “está inteiramente à disposição para eventuais esclarecimentos”.

    “Sigo com a consciência tranquila e reafirmo meu compromisso com a legalidade, a transparência e o respeito ao interesse público”, concluiu.