Uma espécie pode desaparecer da natureza por diferentes motivos, que vão da destruição de habitats e das mudanças climáticas à caça predatória e ao tráfico ilegal de animais. Ainda assim, há casos em que a extinção pode ser revertida. A resposta está em programas de conservação e reintrodução, que buscam devolver ao meio ambiente espécies ameaçadas de desaparecer para sempre.
Um dos exemplos mais emblemáticos é o da ararinha-azul (Cyanopsitta spixii), ave endêmica da Caatinga baiana que foi declarada extinta na natureza em 2000, após décadas de declínio populacional causado pela perda de habitat e pelo tráfico de animais silvestres.
“A ararinha-azul foi alvo, por longos anos, do tráfico ilegal de animais. Como sempre teve pequena distribuição, a pressão de captura levou ao desaparecimento na natureza”, explica o professor Ricardo Bomfim Machado, do Departamento de Zoologia da Universidade de Brasília (UnB).
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A sobrevivência da espécie só foi possível graças a pequenos grupos mantidos em cativeiro no exterior, especialmente no Catar, Reino Unido e Estados Unidos. Com acordos de cooperação, parte desses animais foi repatriado.
“A reversão desse quadro só foi possível por meio da reprodução em cativeiro, do manejo genético e de acordos internacionais que permitiram a volta de dezenas de aves ao Brasil”, esclarece a professora Rosely Soares Macedo Braz, do Colégio Marista João Paulo II.
Com a criação do Refúgio de Vida Silvestre da Ararinha-Azul, em Curaçá (BA), e um processo de adaptação em viveiros, as primeiras aves voltaram ao céu nordestino em 2022. Hoje, a espécie é considerada criticamente em perigo, mas já não está extinta na natureza.
Casos de reintrodução de espécies na natureza
- O Brasil já tem outros exemplos de programas bem-sucedidos. O mico-leão-dourado, endêmico da Mata Atlântica, foi salvo da beira da extinção por meio da reprodução em cativeiro e do reflorestamento, e hoje sua população ultrapassa três mil indivíduos.
- A onça-pintada também voltou a áreas de onde havia desaparecido, como o Parque Nacional do Iguaçu, após programas de treinamento e monitoramento.
- No Nordeste, aves como o mutum-do-nordeste estão sendo devolvidas à natureza depois de décadas ausentes.
- Mamíferos aquáticos, como o peixe-boi marinho, também são resgatados, tratados e reintroduzidos pelo ICMBio. Até mesmo o jacaré-do-pantanal já teve programas de manejo voltados à recuperação da espécie.
As etapas de um programa de reintrodução
O professor Marcos Pérsio Dantas Santos, da Universidade Federal do Pará (UFPA), explica que os projetos seguem etapas fundamentais. Primeiro, é preciso aumentar o número de indivíduos em cativeiro, para que haja solturas sucessivas ao longo dos anos. Depois, identificar áreas adequadas para receber os animais e garantir a proteção do habitat, evitando que as mesmas ameaças do passado se repitam.
“Só depois de assegurar essas condições é que começa a reabilitação dos animais, ensinando-os a voar, a se alimentar e a sobreviver de forma independente. A soltura é gradual, em pequenos grupos, até que a população consiga se estabilizar”, ensina.
Cooperação além das fronteiras
Quando parte da população sobrevivente está fora do país, a cooperação internacional se torna essencial. Rosely lembra que esses processos são regulados por tratados como a Convenção sobre o comércio internacional das espécies da fauna e da flora silvestres ameaçadas de extinção (Cites), que controlam o comércio e a transferência legal de espécies ameaçadas.
Além disso, há um forte componente técnico, com o compartilhamento de dados genéticos, protocolos de manejo e tecnologias de reprodução assistida entre instituições de diferentes países.
A onça-pintada tem sido reintroduzida em áreas onde estava ausente há décadas, como o Parque Nacional do Iguaçu
Desafios de longo prazo
Mesmo com todo o planejamento, a reintrodução enfrenta barreiras. Animais criados em cativeiro podem ter dificuldade para se adaptar, não sabendo se alimentar sozinhos ou como evitar predadores. Há ainda a baixa variabilidade genética, os riscos de doenças e os custos elevados.
“São programas caros, demorados e que exigem financiamento constante por muitos anos. Em alguns casos, levam décadas para dar resultados”, observa Marcos Pérsio.
Rosely acrescenta que também é preciso lidar com desafios ecológicos e sociais. Alterações no habitat, competição com espécies invasoras e até conflitos com atividades humanas, como agricultura e desmatamento, podem comprometer o sucesso do projeto.
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