No dia 22 de agosto de 2025, Jair Bolsonaro, por intermédio de seus advogados, apresentou uma petição ao Ministro Alexandre de Moraes na qual se diz vítima de lawfare. Eis suas palavras: “então, o objetivo é o massacre. A desmoralização. Ou seja, é lawfare em curso”.
A estratégia da defesa de Bolsonaro é bem conhecida e se insere em um contexto mais amplo. Líderes à direita e à esquerda tem se valido, sem qualquer critério e com propósitos meramente performativos, do rótulo “lawfare”. Busca-se apenas e tão somente deslegitimar a acusação e o órgão julgador.
Já em 2019, no livro Lawfare: uma introdução – escrito em conjunto com o eminente Ministro Cristiano Zanin e com a ilustre advogada Valeska Zanin Martins – advertíamos que “lawfare não é um mero rótulo, nem um modismo e muito menos um joguete a serviço de determinada ideologia política”. Neste momento, convém acrescentar: lawfare tampouco deve constituir um simples expediente retórico a serviço da defesa.
Se assim o fizermos, perdermos todos. A banalização do termo subtrai o seu enorme potencial de desvelar e denunciar um fenômeno complexo, multifacetado e que ameaça gravemente as democracias constitucionais. O lawfare, ao converter as normas jurídicas em instrumentos de guerra, resulta na negação do Direito e dos direitos e, nessa medida, deve merecer ampla e irrestrita censura.
Eventuais críticas à condução do processo penal em que Jair Bolsonaro figura como réu, assim como alegações de erros de procedimento ou de julgamento – passíveis de revisão nos termos da legislação em vigor – não se confundem com a caracterização de um processo como lawfare, situação em que atos processuais e extraprocessuais do Estado revelam a instrumentalização do Direito com o objetivo de destruir uma pessoa considerada inimiga.
Diferentemente da Operação Lava Jato – um evidente caso de lawfare que macula a história do sistema de justiça brasileiro –, no caso Bolsonaro não há uso estratégico do Direito para deslegitimar, prejudicar ou aniquilar o ex-presidente. A denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República contra Jair Bolsonaro expõe, com clareza e objetividade, os fatos imputados, assegurando o pleno exercício da ampla defesa e do contraditório. Há provas abundantes, obtidas de forma legal, de que ele: (i) estruturou e liderou um grupo voltado à prática de atos contra o regime democrático; (ii) estimulou medidas para impedir a posse do presidente eleito; (iii) tentou depor um governo legitimamente eleito por meio de ações institucionais e populares; e (iv) colaborou com a depredação das sedes dos Três Poderes.
Ademais, as medidas cautelares decretadas contra o ex-presidente restringem de maneira proporcional seus direitos fundamentais, traduzindo medidas rigorosamente indispensáveis à salvaguarda do processo penal.
O julgamento de um ex-Presidente da República, de seus assessores imediatos e de militares pertencentes à cúpula das Forças Armadas por crimes cometidos contra o Estado Democrático de Direito é um basta decisivo para a ressignificação do nosso passado autoritário e para a construção de um futuro de liberdade.
Depois de tantos anos imersos em ditaduras sangrentas, que calaram, torturaram e espoliaram nossos povos, não podemos permitir anistia nem amnésia. Todos aqueles que atentaram contra as instituições democráticas devem ser submetidos a um julgamento imparcial, dentro dos limites do devido processo legal, e responsabilizados pelos crimes que comprovadamente cometeram.
Isso é o que todos esperamos. Não só nós, brasileiros, senão que toda a comunidade internacional democrática que assiste, atenta e apreensiva, ao desenrolar do julgamento que se inicia no dia 02 de setembro de 2025.
Rafael Valim é Doutor e Mestre em Direito Administrativo pela Faculdade de Direito da PUC/SP. Professor Visitante da University of Manchester (Inglaterra), da Université Le Havre Normandie (França), da Universidad Panamericana (México) e da Universidad de Comahue (Argentina). Membro do Conselho de Administração da Fundação Paris 8. Advogado.