Uma partida de futebol no Colégio pH, em Botafogo, terminou de forma abrupta. Não pelo placar, mas porque, em meio ao jogo, um adolescente branco decidiu imitar um macaco diante de um colega negro. O gesto racista desencadeou uma briga que logo ultrapassou as quatro linhas do campo e invadiu o noticiário.
Há quem, ainda hoje, insista em chamar isso de “brincadeira de mau gosto”, como se o peso da história pudesse ser suavizado com eufemismos. Mas não há equívoco inocente quando o gesto remete a séculos de violência, de desumanização e de estigmatização. No Brasil, racismo não é piada, não é exagero, não é mal-entendido. É crime previsto em lei. E quando cometido por menores de idade, é configurado como ato infracional.
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Nesse episódio, o colégio agiu com firmeza. O aluno foi expulso e as vítimas, segundo a instituição, estão sendo acolhidas. Mas é fundamental dizer: o gesto de expulsar não pode encerrar o assunto. Racismo na escola não deve ser tratado como uma ocorrência isolada que se resolve com a retirada de quem praticou o ato. Racismo precisa ser enfrentado pedagogicamente, precisa parar a engrenagem da rotina escolar e convocar toda a comunidade a refletir.
A escola, enquanto instituição social, não forma apenas para a matemática ou a gramática. Ela molda valores, constrói percepções de mundo, prepara para a vida em sociedade. Por isso, quando há um ato racista dentro dos seus muros, é como se a própria escola fosse interpelada pela história. Não se trata de disciplinar apenas um aluno, mas de enfrentar uma estrutura que atravessa as relações sociais, que organiza privilégios e desigualdades. Ignorar isso seria repetir a omissão que sustentou o racismo ao longo de séculos.
A família do agressor se posicionou. Admitiu a gravidade do erro, falou em vergonha e consternação, e buscou, com apoio da escola, estabelecer contato para pedir desculpas à vítima. Esse gesto, que deveria ser regra, é exceção. Num país acostumado a minimizar o racismo, ver pais reconhecerem publicamente o erro do filho e se comprometerem com a reparação é uma atitude rara. Deve ser reconhecida. Mas, ainda assim, não basta.
A escola precisa se debruçar sobre esse episódio como quem abre um livro diante da classe. Precisa transformar a violência em matéria de aprendizado, não para a vítima, mas para quem a pratica e para quem silencia. O racismo não nasce em um campo de futebol. Ele é aprendido em casa, nos meios de comunicação, nas ruas, e pode ser reforçado — ou combatido — nos corredores escolares. Cabe à escola a decisão: ser espaço de reprodução das violências ou ser espaço de enfrentamento delas.
Quando a instituição escolar assume essa função, todos ganham. Os alunos compreendem, na prática, que dignidade não se negocia. As famílias aprendem que não há desculpa possível para atos de ódio. A sociedade reconhece que educação de qualidade é aquela que forma para a cidadania e para a convivência democrática.
Esse caso poderia ser apenas mais uma estatística, mais uma marca no longo histórico de episódios de racismo no Brasil. Mas pode ser mais. Pode ser um ponto de inflexão. Se a escola fizer do gesto racista um ponto de partida para a reflexão, se transformar o silêncio em debate, se convidar professores, estudantes e famílias para pensar sobre o que aconteceu, ensinará a lição mais importante de todas: racismo não é brincadeira, nunca foi. É violência, é crime, e deve ser combatido desde cedo.
Talvez seja esse o maior desafio da educação brasileira hoje: não apenas transmitir conhecimento, mas formar cidadãos que compreendam que a dignidade humana é inegociável. Que saibam que, diante do racismo, não basta não praticar; é preciso não tolerar. E que entendam que combater o racismo não é tarefa exclusiva de quem sofre, mas de toda a comunidade escolar e de toda a sociedade.
Quando a escola se posiciona, todos ganham. Quando a família reconhece o erro, a sociedade avança. E quando crianças e adolescentes negros encontram acolhimento, dignidade e proteção, o país inteiro aprende a lição que ainda falta escrever: a de que só há futuro quando o racismo for tratado como aquilo que é, uma ferida que precisa ser estancada, não escondida.