O relatório da Polícia Federal (PF) no âmbito da operação Tank, deflagrada na última quinta-feira (28/8) para desarticular uma organização criminosa especializada em lavagem de dinheiro, mostra que o banco Santander não identificou a origem do dinheiro depositado nas contas da Tycoon, fintech ligada à facção Primeiro Comando da Capital (PCC).
Criada em 2016, a Tycoon é presidida por Rafael Bronzati Belon, um dos presos pela PF, e tem como sede a cidade de Curitba (PR). Segundo a investigação, a fintech contribuiu para a “engrenagem da lavagem de dinheiro” em diversas etapas do esquema, utilizando táticas que permitiram o branqueamento de centenas de milhões de reais em benefícios dos investigados.
Segundo a PF, a Tycoon possui contas em algumas instituições financeiras, nas quais a principal origem dos valores, cerca de 96,7% dos créditos, são referentes a depósitos em espécie. Uma das contas é no Santander.
A corporação narra que na conta do Santander foram contabilizados R$ 91,2 milhões em créditos efetivos, dos quais aproximadamente R$ 82 milhões -algo em torno de 90% do total -referem-se a créditos com um histórico identificado com um código do serviço de “coleta de valores”.
Em menos de dois anos, entre abril de 2020 e março de 2022, foram contabilizadas 8.224 transações com esse histórico.
A PF afirma que em Relatórios de Inteligência Financeira constam 879 comunicações do Santander, sendo que 878 eram comunicações relativas a depósitos em valor acima de R$ 50 mil. Nelas, contudo, a PF diz que não consta análise de risco pelo banco.
Embora as comunicações apontassem uma empresa de transporte de dinheiro como depositante dos valores, diz a PF, não havia a indicação dos proprietários.
Em novembro de 2024, foi solicitado ao Santander o envio do contrato de prestação de serviços referente a tais operações de OCT [que possuem uma espécie de identificador], além da localização dos cofres eventualmente fornecidos pelo Santander à Tycoon.
Em resposta, o banco enviou o contrato de “Convênio de prestação de serviços de coleta e entrega de valores (cliente contrata a transportadora)”, datado de janeiro de 2020, e no qual consta que a Tycoon declara que os valores recolhidos têm origem lícita e são provenientes de suas transações comerciais.
“Os valores coletados por meio de carro forte por óbvio já pressupõe grandes quantias de recursos, e sendo a Tycoon uma instituição de pagamento, torna-se evidente que tais recursos não eram de propriedade de Tycoon, mas sim de terceiros, o que foi deliberadamente ignorado pelo Banco Santander”, afirma a PF no relatório.
Na sequência, o Santander também encaminhou uma lista com 20 pontos de coleta dos referidos valores, sendo que todos são postos de gasolina, “a evidenciar que a instituição tinha conhecimento que as coletas ocorriam em locais não vinculados ao endereço de sua cliente, anuindo em depositar nas contas da Tycoon recolhimentos de numerários de propriedade de terceiros”.
“Mesmo com os dados indicando claramente que os recursos coletados eram de propriedade de terceiros, o Santander não identificou os depósitos, inviabilizando o reconhecimento da origem dos recursos”, ressalta a PF.
Para além da falta de identificação apontada, os investigadores também afirmam que os postos em que os valores eram coletados, com exceção de apenas um, têm relação direta com investigados no inquérito. Pelo menos 12 deles tem ligação com Gerson Lemes, um dos presos pela PF na semana passada.
Agente da Polícia Federal durante operação
Operação Tank
A operação Tank é uma das três operações deflagradas pelas autoridades na última quinta-feira (28/8). Duas delas foram realizadas pela PF e outra, a Carbono Oculto, é do Ministério Público de São Paulo (MPSP). As três, no entanto, miram esquemas de lavagem de dinheiro e fraude em combustíveis e a ligação com o crime organizado.
Parte dos alvos da operação Tank também foram alvos da Carbono Oculto, do MPSP, a exemplo de Mohamad Hussein Mourad, empresário apontado como central nos esquemas investigados.
O grupo de Mohamad, segundo os investigadores, atua em toda a cadeia produtiva do setor de combustíveis, desde usinas sucroalcooleiras, passando por distribuidoras, transportadoras, fabricação e refino, armazenagem, rede de postos de combustíveis e conveniências, dentre outros.
Essa capilaridade se deu, segundo as investigações, a partir da compra da formuladora Copape e da distribuidora Aster. Ele também se apresenta como dono da G8 Log, uma empresa de transportes, mas que, conforme a apuração, é uma empresa de fachada usada para “ocultar e blindar a frota de veículos e para a lavagem de capitais”.
A investigação também mostra que ele teria um “vasto patrimônio mobiliário e imobiliário ocultado em empresas de fachada, as denominadas shell companies, bem como em estruturas financeiras mais complexas, com os fundos de investimento”.
A tática dos depósitos fracionados era usada pelo grupo criminoso para lavar o dinheiro e despistar suas origens ilícitas. A investigação também cita, para isso, o uso de “laranjas”, transações cruzadas, repasses sem lastro fiscal e simulação de aquisição de bens e serviços.
Segundo a PF, a operação Tank tem como foco o desmantelamento de uma das maiores redes de lavagem de dinheiro já identificadas no estado do Paraná.
A tática dos depósitos fracionados era usada pelo grupo criminoso para lavar o dinheiro e despistar suas origens ilícitas. A investigação também cita, para isso, o uso de “laranjas”, transações cruzadas, repasses sem lastro fiscal e simulação de aquisição de bens e serviços.
O grupo atuava desde 2019 e é suspeito de ter lavado ao menos R$ 600 milhões, movimentando cerca de R$ 23 bilhões por meio de centenas de empresas, incluindo postos de gasolina, instituições de pagamento, entre outras.
Defesa
Em nota, o Santander afirma que “mantém sistemas robustos e contínuos de controle e reitera seu compromisso rigoroso com a legalidade, a integridade e a legislação de Prevenção e Controle à Lavagem de Dinheiro e Financiamento do Terrorismo.”
“O Banco esclarece que, por força destas mesmas normas, está legalmente impedido de comentar casos específicos”, diz a nota.