MAIS

    Superobesos: o complicado caminho para a cirurgia bariátrica no SUS

    Por

    Estar acima do peso é uma realidade que a maranhense Claudia Rogeria Torres, de 46 anos, vive desde a infância. Mas foram nos últimos 17 anos, depois de se mudar para Brasília para trabalhar como empregada doméstica, que ela viu o peso aumentar significativamente. Com 1,55 m de altura e 173,6 kg, Claudia tem índice de massa corporal (IMC) de 72, classificado como superobesidade — o saudável é abaixo de 24.

    Ela aguarda a oportunidade de fazer uma cirurgia bariátrica pelo Sistema Único de Saúde (SUS) desde o início de 2024. A fila é longa. Ainda não há previsão para a realização do procedimento, mas ela está confiante de que sua vez chegará em breve. Claudia espera que essa seja sua chance de ter uma vida mais saudável.

    “Tenho participado de muitas palestras com médicos e pessoas que já fizeram a bariátrica. Sei que existem dificuldades no pós-operatório, mas são muito mais benefícios. Hoje, é difícil cortar a unha do pé ou calçar um tênis. Não consigo andar muito porque logo fico cansada. Ficar em pé faz minhas costas doerem, tento dormir e dói tudo. São muitas dificuldades”, conta.

    Estima-se que cerca de um bilhão de pessoas vivem com obesidade no mundo, isto é, com um índice de massa corporal (IMC) acima de 30. No Brasil, são 989 mil adultos — sendo 832,8 mil mulheres e 156,2 mil homens —, segundo dados do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (Sisvan). Entre elas existem os superobesos, indivíduos com IMC acima de 50, que correm risco significativamente maior de desenvolver doenças crônicas e precisam de tratamento urgente para reverter o quadro e evitar maiores complicações à saúde.

    Assim como as pessoas com obesidade mórbida — quando o IMC é igual ou maior que 40 —, os superobesos têm o risco aumentado para mais de 50 doenças, incluindo as cardiovasculares, diabetes tipo 2, doença hepática e apneia do sono, mas em gravidade maior. Por isso, eles têm prioridade na fila do SUS para cirurgia bariátrica.

    “A incidência de apneia do sono é duas vezes maior nos superobesos, de diabetes é quatro vezes maior e de hipertensão chega a oito vezes mais”, conta o cirurgião bariátrico Fábio Viegas, presidente do Conselho Consultivo da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM).

    A endocrinologista Cristiane Moulin de Moraes Zenobio, membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (Sbem), explica que, em geral, quanto maior é o grau de massa corporal, mais doenças associadas esse paciente tem e maior é o risco de mortalidade. Mas esse não é o único prejuízo do excesso de peso.

    Cristiane trabalha na atenção secundária, em postos de saúde do Distrito Federal, e conta que muitas vezes os pacientes têm dificuldades para fazer ações básicas, como passar pela roleta de ônibus, calçar sapatos ou cruzar as pernas.

    “Tenho pacientes que chegam muito felizes ao consultório quando conseguem caber em uma calça jeans ou quando tiram a carteira de motorista, porque antes não entravam em um carro”, diz a médica, que também atua no advocacy da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso).

    ilustração de mulher de cabelos cacheados sorrindo - Metrópoles

    Os diagnósticos de pré-diabetes e colesterol alto serviram de alerta para que Claudia começasse a pensar na possibilidade de fazer a cirurgia bariátrica. “Foi por saúde, não por estética”, conta.

    Ela entrou na fila do SUS pela primeira vez em 2018. Embora tenha se esforçado para emagrecer alguns quilos antes da cirurgia, seguindo orientação médica, a maranhense acabou desistindo pela demora na marcação de uma data.

    “Tenho compulsão alimentar. Com essa demora, a gente perde peso e engorda de novo. É muito ruim porque mexe com o nosso psicológico”, lamenta.

    Na maioria dos casos, é indicado que os pacientes percam pelo menos 10% do peso antes da cirurgia. O esforço reduz o risco anestésico cirúrgico e de complicações pulmonares durante o procedimento, contribuindo também com a recuperação do paciente, segundo o cirurgião bariátrico Viegas.

    Claudia voltou para a fila no início de 2024, retomando as consultas com nutricionista, psicólogo e endocrinologista. “Uma hora eu chego lá. Acredito que, fazendo a cirurgia, vou emagrecer, ter disposição e não vou sentir mais dor. A obesidade atrapalha em tudo. A gente tem dor nas costas, pernas e joelhos, não consegue comprar roupa fácil. É ruim pra agachar e para subir escadas”, conta a empregada doméstica.

    O endocrinologista Bruno Geloneze, do Centro de Pesquisa em Obesidade e Comorbidades (OCRC) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), explica que, além das doenças crônicas, o excesso de peso aumenta o risco de problemas osteoarticulares, principalmente no joelho, quadril, pé e coluna.

    “A apneia de sono, principalmente a síndrome da hipoventilação do obeso, também pode ser mais intensa nesses casos de superobesidade”, afirma o pesquisador.

    Preconceito agrava quadro dos pacientes

    Os fatores que levam uma pessoa a ganhar peso a ponto de chegar na obesidade extrema são os mesmos que afetam pacientes em estágios anteriores. Os especialistas ouvidos pelo Metrópoles destacam a falta de atividade física, ambiente obesogênico, genética de propensão à obesidade extrema, erros alimentares e vulnerabilidade econômica como alguns dos catalizadores para o acúmulo de peso.

    Esse último restringe o acesso a alimentos de qualidade e aumenta a insegurança alimentar, levando à busca por opções mais baratas e, muitas vezes, menos nutritivas, como os processados e ultraprocessados.

    “As pessoas demoram para entender que têm uma doença. Depois que percebem, demoram mais um tempo para procurar assistência médica e ainda é possível que encontrem atendimento sem qualidade suficiente para criar um plano de emagrecimento adequado. Sem dúvida, é a soma disso tudo”, aponta Geloneze.

    A endocrinologista Cristiane ressalta a importância de uma assistência médica acolhedora. “Vem aumentando o número de pacientes com obesidade cada vez mais grave, especialmente no SUS. Muitas vezes, eles sofrem estigma dentro do próprio serviço de saúde e abandonam o tratamento. Eles são acusados de serem os únicos responsáveis pela doença. Mas não adianta apontar o dedo e não fornecer tratamento efetivo”, pontua.

    A diarista Claudia conta que o preconceito é constante, mas parou de prestar atenção nos olhares de julgamento que a seguem pela rua no dia a dia. “A gente sofre preconceito igual qualquer outro que existe por aí. Antigamente eu ligava mais, agora não dou bola”, conta.

    Há ainda relatos de pacientes que não conseguem atendimento adequado pela falta de infraestrutura. O mobiliário inadequado, com macas e cadeiras de rodas que não comportam o peso e o tamanho dessas pessoas ainda é a realidade em muitas cidades brasileiras.

    Ilustração de dois corpos com efeitos da superobesidade no corpo - Metrópoles

    De acordo com o Ministério da Saúde, o país conta com 50 Unidades de Assistência de Alta Complexidade ao Paciente Portador de Obesidade Grave e 70 Unidades de Assistência de Alta Complexidade ao Indivíduo com Obesidade. Além disso, hospitais podem adquirir macas, cadeiras de rodas e demais equipamentos adaptados com recursos próprios ou via financiamento do SUS, conforme necessidade local, seguindo os itens padronizados na Relação Nacional de Equipamentos e Materiais Permanentes (Renem).

    O caminho para a cirurgia bariátrica no SUS

    No Brasil, a pessoa que tem interesse em passar pela cirurgia bariátrica no SUS começa sua jornada pela atenção primária, onde deve receber orientação nutricional, incentivo à atividade física, suporte psicológico e acompanhamento multiprofissional. Quando indicado, o paciente é encaminhado para serviços especializados e pode ser avaliado para a realização da cirurgia.

    De acordo com o Ministério da Saúde, a cirurgia é indicada apenas para os casos mais graves, conforme critérios definidos no Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) de Sobrepeso e Obesidade em Adultos. Entram nelas: pacientes com IMC maior ou igual a 40 kg/m², com ou sem comorbidades; ou com IMC maior ou igual a 35 kg/m² associado a condições como diabetes, hipertensão, apneia do sono ou doenças articulares — desde que tenham realizado, por pelo menos dois anos, tratamento clínico sem sucesso.

    Os médicos explicam que pessoas com apneia grave, por exemplo, precisam tratar a condição com fisioterapia respiratória antes do procedimento porque ela pode agravar o risco da cirurgia. Embora esse seja o protocolo ideal, não é a realidade de todos os pacientes.

    “No serviço público, tudo isso é complicadíssimo. A fila para fazer uma polissonografia é enorme, o equipamento para o tratamento da apneia do sono é caríssimo e os pacientes do SUS demoram anos na fila para conseguir. Muitas vezes, eles fazem o sacrifício de pagar os exames para adiantar a cirurgia”, afirma Cristine.

    Emagrecer antes da cirurgia

    A perda de peso antes da bariátrica é indicada para diminuir os riscos de complicações cirúrgicas e anestésicas, reduzir a gordura visceral e o tamanho do fígado, facilitando o acesso do cirurgião ao estômago e diminuindo o risco de sangramentos e infecções durante o procedimento.

    O endocrinologista Geloneze pondera, no entanto, que essa recomendação não pode ser usada como regra e fator de eliminação do paciente da lista de espera.

    “Pessoas que têm uma dificuldade genética extrema de perder peso, às vezes, são tratadas como se fossem culpadas disso. Deixar de operar porque a pessoa não emagreceu é condená-la a nenhum tipo de tratamento. Temos que pensar nessa perda de peso como bem-vinda, mas não exatamente obrigatória”, considera.

    Canetas emagrecedoras podem ajudar esses pacientes?

    Nos últimos anos, as canetas emagrecedoras vêm fazendo sucesso entre pessoas que precisam perder peso. Wegovy, Mounjaro e Olire, por exemplo, podem ajudar a diminuir de 14% a 20%, em média, do peso corporal. Os medicamentos agonistas de GLP-1 promovem a perda de peso ao reduzir o apetite e retardar o esvaziamento gástrico, além de ter efeitos no metabolismo.

    Para casos de superobesidade, porém, a cirurgia bariátrica ainda é considerada a melhor opção — em um ano, os pacientes podem perder até 40% do peso corporal.

    Além da perda de peso, a bariátrica é mais eficiente por garantir que o paciente emagreça. Ainda que haja possibilidade de reganho depois, nos primeiros meses a perda de peso vai acontecer e a pessoa não tem a opção de desistir do tratamento, como pode ser feito com os medicamentos.

    A médica Cristiane considera que as canetas emagrecedoras poderiam ajudar os pacientes na fila da bariátrica a perder algum peso antes da cirurgia, reduzindo os riscos operatórios, se estivessem disponíveis no SUS.

    A última decisão do Ministério da Saúde, no entanto, vetou a incorporação desses medicamentos no sistema público. A inclusão do Wegovy e Saxenda na lista de remédios distribuídos pelo SUS foi rejeitada pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec) no fim de agosto. A deliberação confirmou o parecer técnico publicado em maio que aconselhava a não incorporação dos medicamentos pelos altos custos aos cofres públicos.

    O impacto orçamentário estimado da semaglutida chega a R$ 380 milhões no primeiro ano e poderia alcançar R$ 3,7 bilhões em cinco anos ou até R$ 6,8 bilhões, variando em um cenário de 20% a 70% de adesão entre os cerca de 150 mil pacientes elegíveis.

    A cirurgia bariátrica

    A cirurgia bariátrica é um dos principais tratamentos para a obesidade severa ou mórbida. Embora haja o risco de possíveis complicações, é considerado um procedimento seguro. Segundo Viegas, os benefícios superam (e muito) os riscos do excesso de peso ao organismo.

    “Assim como a obesidade mórbida, a superobesidade é uma exacerbação da doença metabólica. A gente sabe que não existe tratamento clínico, com caneta, dieta ou remédio, que trate a obesidade mórbida e a superobesidade. O único tratamento com efeito nesses pacientes é a cirurgia bariátrica”, pontua o presidente do Conselho Consultivo da SBCBM.

    A bariátrica é realizada por videolaparoscopia no sistema público há oito anos, seguindo a Portaria n° 5, de 31 de janeiro de 2017, que oficializou a incorporação do método nos procedimentos de cirurgias bariátricas feitos pelo SUS. O procedimento é considerado minimamente invasivo e, consequentemente, mais seguro do que a cirurgia aberta.

    Na cirurgia realizada por videolaparoscopia são feitas cinco ou seis pequenas incisões de 0,5 cm e 1 cm no abdômen para a introdução das cânulas por onde são introduzidas as pinças para realizar o procedimento e uma câmera para a visualização. Na cirurgia aberta, esta incisão pode variar de 15 cm a 30 cm.

    Entre as vantagens estão a diminuição do risco de hérnias e infecção da ferida cirúrgica, retorno precoce às atividades, diminuição do risco de complicações pulmonares e menor dor pós-operatória.

    O método mais atualizado também possibilita ao paciente um tempo menor de recuperação. Na cirurgia aberta são necessários de três a quatro dias de internação e os pacientes levam de 30 a 60 dias para voltarem às suas atividades de trabalho. Já no procedimento laparoscópico, geralmente são apenas dois dias de internação e a liberação para retomar às atividades acontece em duas semanas.

    Existem diferentes técnicas cirúrgicas, sendo o bypass gástrico e a gastrectomia vertical (sleeve) as mais utilizadas. Ambas estão disponíveis no SUS.

    Três ilustração de técnicas de cirurgia bariátrica - Metrópoles

    O bypass gástrico é a técnica bariátrica mais praticada no Brasil, correspondendo a 75% das cirurgias realizadas, devido à segurança e, principalmente, eficácia. O paciente submetido à cirurgia perde de 70% a 80% do excesso de peso inicial, segundo a Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica.

    O procedimento consiste no grampeamento de parte do estômago, que reduz o espaço para o alimento, e um desvio do intestino, que promove o aumento de hormônios que dão saciedade e diminuem a fome. A somatória entre menor ingestão de alimentos e aumento da saciedade é o que leva ao emagrecimento, além de controlar a diabetes e outras doenças, como a hipertensão arterial.

    A gastrectomia vertical, também conhecida como cirurgia de sleeve ou gastrectomia em manga de camisa, é um procedimento menos complexo, que consiste na transformação do estômago em um tubo com capacidade de 80 a 100 ml. O procedimento é considerado restritivo e metabólico e também provoca uma boa perda de peso, comparável à do bypass gástrico. Ele também tem boa eficácia sobre o controle da hipertensão, do colesterol e dos triglicérides.

    O sleeve pode ser indicado como uma cirurgia primária, para que o paciente consiga perder algum peso antes de passar por um procedimento mais complexo e definitivo.

    “Reduzir peso em IMCs mais altos, como acima de 50, é muito importante para reduzir o tamanho do fígado e facilitar o próprio procedimento cirúrgico. Mas é um desafio porque o paciente já tem dificuldade de perder peso e não temos remédio disponível no SUS para isso, então o sleeve pode ser indicado como procedimento primário”, considera Cristiane.

    Além delas, outras técnicas podem ser indicadas e feitas pelo SUS, incluindo:

    Cinco ilustrações com técnicas de cirurgia baritátrica - Metrópoles

    O cirurgião bariátrico Viegas aponta que a indicação cirúrgica, o procedimento, a técnica, o cuidado e os materiais são iguais no SUS e na saúde suplementar (planos de saúde). A diferença está na disponibilidade. Com menos locais que prestam o serviço, a fila se alonga.

    Enquanto a saúde suplementar realiza, em média, de 70 mil a 80 mil cirurgias por ano, a rede pública faz cerca de 9 mil procedimentos ao longo de 12 meses, segundo Viegas.

    “O SUS precisava ter muito mais, ter um número até maior do que o da saúde suplementar porque tem mais pacientes obesos, o problema é que ele tem poucos hospitais que fazem a cirurgia bariátrica. Mas os que realizam são excelentes, como qualquer outro hospital particular. A técnica e o bisturi são os mesmos. Muitas vezes, até os médicos também”, conta o representante da SBCBM.

    Estudo mostra resultados  satisfatórios pós-cirurgia

    Um estudo feito por pesquisadores chineses, publicado na revista Nature em maio de 2024, comparou a eficácia de quatro métodos cirúrgicos diferentes — incluindo o bypass gástrico e a gastrectomia vertical — para o tratamento de 60 pacientes com IMC médio de 53,81. Participaram da pesquisa 34 homens e 26 mulheres.

    Os resultados mostraram que o peso corporal e o IMC de todos os quatro grupos de pacientes diminuíram significativamente em três, seis e 12 meses de pós-operatório em comparação com os valores pré-operatórios.

    Além disso, a pressão arterial sistólica e diastólica, a hemoglobina glicada, o ácido úrico, os triglicerídeos e o colesterol total diminuíram em graus variados nos quatro grupos um ano de pós-operatório, em comparação com os valores iniciais.

    Todos os quatro métodos foram considerados seguros e eficazes no tratamento de pacientes superobesos e na melhora de suas doenças metabólicas até certo ponto.

    A vida depois da cirurgia

    Passada a cirurgia, começa uma nova etapa no tratamento do paciente, que precisa seguir com acompanhamento multidisciplinar para garantir a nutrição adequada, sem carência de vitaminas e minerais, e evitar a recuperação do peso. Tudo isso sem esquecer da saúde mental.

    Após a cirurgia, a ingestão de nutrientes pela alimentação é reduzida, uma vez que o paciente passa a ter uma dieta mais restrita. Combinado a isso, há a questão física. A absorção de alguns nutrientes acaba sendo modificada devido ao desvio da passagem dos alimentos por uma área de absorção do intestino e/ou por menor secreção de enzimas e sucos digestivos que auxiliam na sua absorção.

    As sociedades médicas indicam que todos os pacientes submetidos à cirurgia bariátrica façam a reposição dos nutrientes e vitaminas que o organismo não conseguir mais absorver naturalmente dos alimentos ou absorve apenas parcialmente. A suplementação deve ser feita por toda a vida.

    Cristiane destaca a importância dos polivitamínicos ricos em ferro, zinco, ácido fólico, vitamina B12, D e citrato de cálcio para evitar a desnutrição, bem como a reposição de proteína para minimizar a perda acentuada de massa magra. A suplementação adequada pode custar R$ 400 todos os meses, apenas para garantir o aporte de nutrientes. “Esses comprimidos não são baratos. Sem acesso, esses pacientes acabam desnutridos, com complicações sérias”, aponta a médica.

    De acordo com o Ministério da Saúde, o SUS garante suplementação nutricional essencial. Medicamentos para suprir deficiências de ferro, cálcio e vitamina B12, entre outros, estão incluídos no Componente Básico da Assistência Farmacêutica e disponíveis na Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME 2024). Porém, apesar da regra, nem sempre os suplementos estão disponíveis na rede pública.

    Ilustração de mulher de cabelos longos sorrindo - Metrópoles

    A atendente Mylena Vasconcelos, de 27 anos, passou pela cirurgia bariátrica no início de 2024. O procedimento foi realizado no Hospital Regional da Asa Norte (HRAN), de Brasília, após quase quatro anos na fila de espera.

    A jovem brasiliense conta que, embora não tenha desenvolvido doenças crônicas associadas à obesidade, já tinha muita dificuldade para realizar tarefas simples. “Eu me sentia suja porque não conseguia tomar banho direito”, lembra.

    A obesidade é uma questão recente na vida de Mylena. Ela começou a ganhar peso aos 17 anos, quando entrou em um relacionamento abusivo, culminando em depressão. Com 1,59 de altura, ela chegou a pesar 144 kg, atingindo o IMC de 56,9.

    “Mexeu muito com a minha autoestima. Sempre me considerei uma pessoa ativa, mas preferia ficar em casa porque tinha vergonha do meu corpo, tinha dificuldade de andar”, relata.

    Mylena passou pela bariátrica por bypass. A maioria dos exames pré-operatórios foi realizada pelo SUS, mas alguns precisaram ser feitos pela rede privada para minimizar o tempo de espera.

    A brasiliense atribui à técnica de videolaringoscopia, minimamente invasiva, a recuperação rápida e tranquila. Ela passou três dias internada para adaptação à nutrição líquida, necessária no pós-operatório, e logo recebeu alta.

    “Fiquei com muito medo antes de fazer, mas foi um procedimento tranquilo. Em menos de um mês já estava ativa em tudo, seguindo todas as recomendações dos médicos”, lembra.

    As orientações médicas foram seguidas à risca para tentar minimizar qualquer efeito colateral — e a estratégia deu certo para ela. Com a dieta líquida, a jovem não sentia fome e conseguiu seguir o plano alimentar; com a suplementação adequada, custeada por ela, foi possível manter os níveis de vitaminas e minerais adequados.

    Cerca de um ano após o procedimento, ela já perdeu 52 kg. Apesar da recuperação tranquila, com os resultados dentro do esperado, o caminho é longo e sinuoso e exige acompanhamento com nutricionista, endocrinologista e psicólogo.

    “No começo, tive muita distorção de imagem. Me olhava no espelho e não achava que estava tendo mudança. Agora, me sinto mais bonita, viva e confiante comigo mesma. Eu falo que a Mylena de antes parecia ter me engolido. Hoje eu vejo ossos que nem lembrava ter”, considera.

    O endocrinologista Geloneze reconhece que existe a tendência à recuperação de pelo menos uma parte do peso. Ela não é culpa do cirurgião nem do paciente, mas sim de questões biológicas.

    “Todos os mecanismos genéticos, bem como a memória genética metabólica, fazem com que o tecido adiposo dessas pessoas seja muito mais eficiente em voltar a acumular gordura. Além disso, existe uma alteração no hipotálamo (no sistema nervoso central) que não é curada. Ela melhora, mas pode voltar”, explica.

    Vida nova exige mudanças na rotina

    Os médicos ouvidos pelo Metrópoles destacam a importância da mudança do estilo de vida após a bariátrica. Geloneze ressalta que a atividade física ajuda na preservação da massa magra, diminui o risco de ganho de peso e melhora o contexto metabólico cardiovascular.

    “Isso também vale para mudança de estilo de vida na parte alimentar. Antes da cirurgia, pode ser útil para melhorar a nutrição e perder peso. Depois, não é exatamente para potencializar a perda de peso, mas principalmente para manter qualidade na alimentação”, considera o pesquisador da Unicamp.

    Depois de perder mais de 50 kg, Mylena segue uma rotina mais ativa, com prática de exercícios físicos e maior convívio social. Ela espera perder mais peso nos próximos meses e ter oportunidades melhores de emprego, sem ser julgada pelo corpo.

    “A gente perde muitas oportunidades com a obesidade. Vivemos em uma sociedade que ainda julga muito pela aparência. Eu tinha vergonha de sair, pegar ônibus, porque achava que todo mundo estava me julgando”, conta a jovem. “Não é milagre, porque também depende do meu esforço, mas a bariátrica salvou a minha vida”, afirma.

    .img-full{width: 100vw !important;max-width: 100vw !important;transform: translateX(-50%) !important;position: relative !important;left: 50% !important;}.img-960{max-width: 960px !important;}#m-general-semi-special > div > div > div:first-of-type {display: none;}.noticia__wrapper–imagemDestacada {margin-top: -30px;}