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    Tarcísio e STF trocavam acenos mútuos antes de implodir relação

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    O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), tinha uma relação marcada por acenos mútuos com o Supremo Tribunal Federal (STF) antes de implodir a relação com a Corte ao radicalizar críticas com o objetivo de se firmar como herdeiro de Jair Bolsonaro (PL), de olho na eleição presidencial de 2026.

    A relação entre Tarcísio e STF azedou depois do ato bolsonarista de 7 de Setembro, no último domingo. Em discurso na Avenida Paulista, Tarcísio afirmou que não iria aceitar a “ditadura de um Poder sobre o outro” e ainda chamou o ministro Alexandre de Moraes de tirano. A subida de tom acontece ao mesmo tempo que o governador passou a se posicionar mais claramente como possível presidenciável.

    Antes da escalada das críticas, Tarcísio mantinha uma relação amistosa com ministros que destoava do seu padrinho político, Jair Bolsonaro, o que lhe rendeu críticas por parte da base mais radical do ex-presidente. Além de não fazer ataques ao STF, Tarcísio dialogava com a Corte sobre temas do governo paulista, que iam de assuntos julgados pelos ministros até nomeação no Ministério Público de São Paulo (MPSP).

    Desconto para fazendeiros

    Um exemplo dessa interlocução é o périplo de Tarcísio, em novembro de 2023, para conversar com ministros do STF em busca de uma solução para assunto que beneficia diretamente sua base eleitoral, o agro paulista: uma lei agrária sob julgamento.

    A legislação em questão permite a venda de terras devolutas (que pertencem ao estado e estão ocupadas irregularmente) a fazendeiros com até 90% de desconto. Uma ação direta de inconstitucionalidade do PT no STF estava para ser julgada na ocasião e havia expectativa de que a lei pudesse ser derrubada. Mostra disso foi um vídeo em que um membro do governo aparecia orientando fazendeiros a agilizar os processos antes que a legislação mudasse.

    O quadro se transformou após intervenção de Tarcísio junto a ministros. A relatora do processo, ministra Cármen Lúcia, retirou a ação de pauta no fim de 2023. Nos bastidores, entre os argumentos do governador aos ministros estava uma suposta perda de investimento de centenas de milhões de reais no estado. Embora o total de descontos propiciados pela lei pudesse chegar na casa dos R$ 7 bilhões, o caso nunca mais foi pautado e Tarcísio segue colhendo os louros com o agro.

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    Consulta a Alexandre de Moraes

    Meses antes da visita aos ministros em Brasília, a então presidente do STF, Rosa Weber, participou de um almoço com o governador e recebeu a medalha da Ordem do Ipiranga no Palácio dos Bandeirantes, a sede do governo de São Paulo. Posteriormente, Alexandre de Moraes se juntou ao evento, como mostra uma foto da época.

    Não foi o único encontro de Tarcísio com o inimigo máximo do bolsonarismo. Antes mesmo de assumir, ainda em 2022, ele foi fotografado sorridente em uma conversa com Alexandre de Moraes em Brasília, durante a posse de ministros do STF.

    Os gestos do governador foram além dos sorrisos. Ele chegou a consultar o próprio Moraes na hora de nomear o novo procurador-geral de Justiça, Paulo Sérgio Oliveira e Costa, que foi o terceiro colocado da lista tríplice para chefiar o MPSP. Moraes já atuou no órgão e segue tendo influência no ministério.

    A boa relação de Tarcísio com a Corte foi construída ainda quando ele era ministro da Infraestrutura. Por envolver concessões e questões regulatórias, a área exige sintonia com o STF. Nessa época, se aproximou de Gilmar Mendes em razão da discussão do Marco do Saneamento e a lei da cabotagem.

    Além de Moraes e Mendes, os ministros Kassio Nunes Marques, André Mendonça e Luís Roberto Barroso eram tidos como os principais interlocutores do governador paulista.

    Tensão com câmeras

    No ano passado, as câmeras corporais da PM foram foco de tensão de Tarcísio com o STF. O presidente do STF, Luis Roberto Barroso, determinou o uso obrigatório de câmeras corporais com gravação ininterrupta por policiais militares do estado de São Paulo, atendendo a um pedido da Defensoria Pública de São Paulo.

    Na época, o governo começava a implantar um novo modelo que descontinuava a filmagem ininterrupta das câmeras, nos moldes em que era feito desde a gestão de João Doria (PSDB). Posteriormente, Barroso homologou um acordo com o governo que previa o aumento do uso das câmeras, embora mantivesse a possibilidade de que as filmagens não fossem ininterruptas.

    O governo de São Paulo acabou contemplado e Tarcísio, elogiado por Barroso. Referindo-se às câmeras, o ministro afirmou que governo paulista implantou um modelo positivo.

    Virada de mesa

    Aliados de Tarcísio sempre argumentaram que a interlocução do governador com os ministros, incluindo o próprio Alexandre de Moraes, poderia ajudar Jair Bolsonaro — que tem uma série de acusações na Corte, que inclui a tentativa de golpe de Estado.

    O argumento nunca colou com a base mais radical, como deixou clara mensagem enviada por Eduardo Bolsonaro (PL) ao pai, que veio a público após investigação da Polícia Federal. Eduardo afirmou que o governador paulista “quer posar de salvador da pátria” e que está vendo o pai “se foder” enquanto está “se aquecendo para 2026”. “Só para te deixar ciente: Tarcísio nunca te ajudou em nada no STF. Sempre esteve de braço cruzado vendo você se foder e se aquecendo para 2026”, escreveu Eduardo a Bolsonaro no dia 11 de julho.

    Escolhido pelo centrão como candidato preferido na tentativa de derrotar Lula, Tarcísio passou a fazer demonstrações cada vez mais incisivas visando se cacifar como herdeiro político de Bolsonaro. O gesto mais agressivo, visto como uma queima de pontes com o STF, foram as declarações do governador no protesto de 7 de Setembro na avenida Paulista.

    “Não vamos aceitar a ditadura de um Poder sobre o outro. Chega”, afirmou, citando a existência de um “ditador de toga”. Ao ouvir gritos de “fora, Moraes”, o governador chamou o ministro de ditador. “Por que é que vocês estão gritando isso? Talvez porque ninguém aguente mais. Ninguém aguenta mais a tirania de um ministro como Moraes. Ninguém aguenta mais o que está acontecendo neste país”, afirmou.

    Reação de ministros

    Atual decano do STF, Gilmar Mendes reagiu à crítica feita pelo governador e ecoou o incômodo do STF. “No Dia da Independência, é oportuno reiterar que a verdadeira liberdade não nasce de ataques às instituições, mas do seu fortalecimento. Não há no Brasil ‘ditadura da toga’, tampouco ministros agindo como tiranos. O STF tem cumprido seu papel de guardião da Constituição e do Estado de Direito, impedindo retrocessos e preservando as garantias fundamentais”, escreveu Gilmar no X (antigo Twitter).

    O presidente do STF, Luis Roberto Barroso, também reagiu aos ataques de Tarcísio. Ele defendeu o julgamento de Bolsonaro e afirmou que, diferentemente da época da Ditadura, o processo é feito “à luz do dia”.