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    Dívidas das famílias é risco à reeleição de Lula (por Leonardo Barreto

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    “É a economia, estúpido”. A frase do consultor americano James Carville, que conduziu a vitória de Bill Clinton contra George Bush, que tentava a reeleição, em 1992, se tornou uma espécie de mantra quando o assunto é reeleição. Se o bolso vai bem, o governante da vez tende a se perpetuar.

    No entanto, há uma outra frase, mais utilizada em análises acadêmicas, que diz que uma determinada condição pode ser necessária, porém, pode não ser suficiente para que algo ocorra. É a partir daqui que iremos debater a importância do endividamento das famílias sobre a eleição de 2026.

    O governo Lula ostenta muitos indicadores econômicos positivos, como a taxa de desemprego e o crescimento da massa salarial, questões que, em tese, dialogam diretamente com o bem-estar da maioria das pessoas.

    Pouca gente discorda, no entanto, que boa parte da explicação para essa situação vem da ampliação dos gastos governamentais, que não esconde a crença no consumo como motor da economia. Para isso, concorrem programas sociais, crédito subsidiado e direcionado para grupos específicos (dinheiro para reforma de casas, por exemplo) e políticas distributivas e redistributivas, como a política de aumento real do salário mínimo e a desoneração do IR, respectivamente.

    Trata-se de uma escolha consciente e deliberada do governo, que deve terminar 2026 gastando quatro vezes mais dinheiro em políticas dessa natureza do que em infraestrutura.

    É claro que há limites e, se errar na dose, o remédio vira veneno. Sem uma boa calibragem, o preço que se paga são juros altos, falta de crédito, porque o governo absorve boa parte do dinheiro disponível para empréstimos e inflação, considerando que o aumento do consumo não é acompanhado por mais produtividade.

    Para manter essa roda girando, o governo precisa aumentar todos os anos os aportes, o que leva à necessidade de arrecadar mais impostos e ao endividamento público.

    Deixando os conceitos de lado e tentando olhar para as finanças das pessoas, o foco está sempre na relação de ganhos e perdas. Quando, para o eleitor, a renda recebida deixa de superar o que ele paga em termos de inflação, juros e pouco crédito?

    Possivelmente, se Carville estiver certo, essa é a chave da eleição de 2026.

    A taxa básica de juros está em 15%, o maior patamar das últimas duas décadas. Pesquisa recente da CNC mostra que 13% das famílias não possuem condições de saldar suas dívidas (maior número desde 2010), há uma inadimplência geral de 30,5%, o número de famílias que dizem ter dívidas é de 79,2% e, entre consumidores, 18,8% comprometem mais da metade de sua renda com pagamento de dívidas. Quase metade – 48,7% – possui alguma dívida atrasada por mais de 90 dias.

    A possibilidade de piora desse cenário está relacionada a um ciclo negativo, no qual inadimplência leva à redução de crédito disponível. Sem condições de refinanciar dívidas, as pessoas podem ver boa parte dos benefícios obtidos com os empregos criados e com o aumento da massa salarial evaporarem.

    Aí, a sensação de bem-estar evapora.

    É possível o país esteja no limite, saindo do bônus para o ônus? Sim, e o governo sabe disso. Por isso, irá se esforçar ao máximo para cobrir a última milha até 2026, fazendo “o diabo” para esticar a fase vacas gordas por pelo menos mais um ano.

    Leonardo Barreto é doutor em Ciência Política pela Universidade de Brasília