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    O trabalho no Brasil (por José Dirceu)

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    Fiéis ao seu elitismo combinado com um conservadorismo renitente, setores da imprensa tradicional brasileira só costumam ver sombras no mercado de trabalho, ignoram o estágio de crescimento do emprego que o país vem atravessando com o governo Lula apesar dos inexplicáveis juros altos, e não hesitam em continuar criminalizando os sindicatos e o sindicalismo.

    A eles, porém, recomendo não esquecer algumas evidências. Primeiro, a taxa de desemprego, hoje em 5,5%, é o menor índice já registrado na série histórica da PNAD Contínua, do IBGE, ainda que seja necessário reconhecer o peso da informalidade, das desigualdades e dos contrários precários, com longas jornadas e salários baixos.

    Segundo, o último boletim do Dieese, de outubro, mostra um cenário amplamente positivo para o emprego dos jovens brasileiros. No 2º trimestre deste ano, apenas 17,9% dos jovens de 14 a 29 anos estavam sem trabalhar e sem estudar, o menor índice em 10 anos, refletindo a expansão da atividade econômica e o fortalecimento de políticas públicas voltadas à geração de oportunidades com o governo Lula.

    A melhora é sustentada pelo crescimento significativo do emprego formal e informal e pela ampliação da conciliação entre estudo e trabalho.

    Mas convém recomendar também a leitura dos dados apresentados na pesquisa de opinião realizada conjuntamente pelo Dieese, Instituto Vox Populi, CUT e Fundação Perseu Abramo sobre como pensa o trabalhador brasileiro sobre o trabalho, o emprego e o sindicalismo no Brasil.

    Realizada em junho e apresentada durante a 17ª Plenária Nacional da CUT João Batista Gomes, a pesquisa “O trabalho no Brasil” revela algumas conclusões relevantes. Foram ouvidos 3.850 trabalhadores em todo o Brasil. Destaco aqui algumas percepções desses entrevistados.

    1. Alta valorização do trabalho, apesar das dificuldades da atividade profissional: 7 em cada 10 brasileiros consideram o trabalho fundamental em suas vidas; 9 em cada 10 o veem como espaço de aprendizado, mesmo patamar daqueles que associação o trabalho à valorização pessoal; e 8 em cada 10 o reconhecem como fonte de propósito. Ou seja, o trabalho continua sendo um pilar de satisfação e valorização pessoal e existencial.

    2. O trabalhador com carteira assinada se mostra satisfeito (49,5%) ou muito satisfeito (22%), contra 10,4% insatisfeito ou muito insatisfeito. A insatisfação vem, em grande parte, dos salários baixos (55,2%) e de jornada de trabalho demasiadamente extensa (26,4%).

    3. Baixos salários e longas jornadas também estão entre os fatores citados para as dificuldades de obter um bom emprego. Uma lista na qual se inclui também o excesso de exigências, a baixa valorização profissional e a instabilidade no emprego.

    4. A maioria (61,7%) apoia o fim da escala 6×1 e a redução da jornada de 44h para 40h semanais.

    5. O empreendedorismo é também destaque. No geral, a maioria (53,4%) prefere trabalhar por conta própria como empreendedor, contra 40,1% daqueles que desejam ter um emprego com carteira assinada. Essa tendência é mais forte entre jovens e pessoas de nível médio de escolaridade. Os jovens, em particular, enxergam no trabalho por conta própria para não ter patrão e fazer a própria jornada. Entretanto, pessoas que têm emprego com carteira assinada, em sua maioria, não desejam vir a trabalhar por conta própria para ser empreendedor.

    6. Não existe rejeição às formas de organização coletiva para a defesa de interesses. Os sindicatos são vistos como peça importante para a) melhoria das condições de vida dos trabalhadores (mais de 67% veem sindicatos como muita ou alguma importância); b) melhoria dos salários e condições de trabalho (60,1%, igualmente, como muita ou alguma importância); c) negociação ou mediação entre os trabalhadores e as empresas (mais de 65%); d) defesa dos direitos da classe trabalhadora (54,3%).

    7. Tanto entre os trabalhadores que integram a População Economicamente Ativa (PEA) quanto os trabalhadores por plataforma se dizem satisfeitos ou muito satisfeitos com a atuação e influência do sindicato na melhoria das condições de trabalho. Esses satisfeitos ou muito satisfeitos são 52% do total, índice que chega a 55,1% no caso dos trabalhadores por plataforma. Melhores salários, bons empregos e saúde do trabalho são listadas como as principais lutas dos sindicatos para melhorar a vida dos trabalhadores.

    8. Entre os não sindicalizados da PEA, a maioria (50,5%) se diz aberta à possibilidade de vir a participar de algum sindicato.

    Em outras palavras, os trabalhadores brasileiros desejam bons salários, jornada aceitável, estabilidade, previsibilidade e proteção social – tudo aquilo que está presente na agenda sindical. O nível de informalidade e de trabalho precário, convém repetir, é bastante alto, mas também é importante lembrar que são problemas fora do alcance da atividade sindical, infelizmente.

    Problemas

    Nem tudo são flores, sabemos. Outras pesquisas, como um estudo realizado pela Fundação Getulio Vargas e divulgada também em outubro, apontam que a maioria dos brasileiros acha difícil conseguir emprego. A instabilidade, os baixos salários, as jornadas exaustivas e os temores em relação à rede de proteção social são alguns dos fatores listados.

    Essas condições dependem em grande medida tanto das políticas públicas e de um governo que efetivamente se preocupa com a classe trabalhadora – como é o caso do governo Lula – quanto de um sindicalismo forte e ativo. A importância dos sindicatos nas conquistas de melhores condições de vida para os trabalhadores é inquestionável em nossa história – e mais ainda na luta pela democracia e pela liberdade.

    Nos últimos anos, porém, as forças conservadoras e de direita impuseram mudanças significativas nos direitos trabalhistas e mais ainda na própria liberdade e autonomia sindical. Isso ocorreu, via Congresso Nacional, na reforma trabalhista liderada pelo governo golpista de Michel Temer.

    A redução de direitos expressou as mudanças drásticas ocorridas não apenas no mundo do trabalho, via revolução tecnológica, como também na desregulamentação e flexibilização, resultado da globalização financeira mundial.

    Logo depois da reforma trabalhista, o Congresso aprovou uma reforma da Previdência Social e a terceirização, resultando numa mudança radical com a precarização do trabalho, o desmonte dos sindicatos pelo fim do imposto obrigatório sindical e o surgimento de novas profissões e tecnologias, desde a automação até a robotização e agora a Inteligência Artificial.

    O objetivo era tornar flexíveis os direitos trabalhistas, dar maior segurança jurídica para o empregador, ampliar as modalidades de contrato de trabalho, dar prevalência aos acordos coletivos sobre a legislação, garantir a não obrigatoriedade da contribuição sindical, parcelar as férias e flexibilizar a jornada de trabalho.

    Duas medidas em especial visavam desarmar os sindicatos: o fim da obrigatoriedade da contribuição sindical sem alternativa de financiamento do sindicato e a prevalência dos acordos coletivos sobre a legislação. Uma agrava a outra, uma vez que sem sindicato os acordos coletivos passam a ser uma negociação entre uma empresa e trabalhadores desorganizados.

    Chegou a hora de retomar a luta por uma radical mudança no papel dos sindicatos na organização da classe trabalhadora frente ao crescimento da pobreza e da precarização, da perda da participação dos salários na renda nacional, da debilidade do mercado interno e da urgente necessidade de uma revolução tecnológica e educacional para aumento da produtividade e inovação. A defesa dos direitos dos trabalhadores é o objetivo final, mas, como já escrevi em outras oportunidades, os sindicatos precisam se renovar e se atualizar.

    Também tenho dito que é inaceitável que a maior revolução tecnológica do século não signifique melhores condições de vida e sim precarização e aumento da pobreza, daí a importância, como em toda nossa história da organização sindical, da atualização do modelo sindical brasileiro.

    A nova realidade deve respeitar os direitos fundamentais dos trabalhadores e não somente as necessidades das empresas, e fortalecer a negociação coletiva, que deve atingir os servidores públicos e a autonomia e a flexibilidade para as partes (empresas e trabalhadores) definirem as necessidades a partir da realidade.

    • José Dirceu é ex-ministro-chefe da Casa Civil, ex-deputado federal e ex-deputado estadual pelo estado de São Paulo