Há trinta anos, a paz batia à porta de israelenses e palestinos com a conclusão do Acordo de Oslo, fruto de negociações conduzidas secretamente na Noruega. Para a história, ficou a imagem do aperto de mão entre Yasser Arafat, líder da Organização para a Libertação da Palestina, e Yitzhak Rabin, primeiro-ministro de Israel, nos jardins da Casa Branca, sob o olhar de Bill Clinton. Os dois seriam agraciados com o Prêmio Nobel da Paz de 1994 como símbolos de uma reconciliação. O clima era de otimismo: o mundo acreditava que o conflito mais longo do século XX estava próximo do fim. As esperanças se justificavam com a criação da Autoridade Nacional Palestina, um embrião para que, no futuro, existissem e convivessem pacificamente os Estados de Israel e da Palestina.
As esperanças brotadas do Acordo de Oslo foram assassinadas pelos três tiros disparados por um israelense de extrema-direita, Yigal Amir, que matou Rabin em 1995. Um ano depois, Benjamin Netanyahu, com o apoio da extrema-direita, chegava ao poder. Israelenses e palestinos passaram a se acusar mutuamente de não cumprirem o acordado. A guinada à direita de Israel sob o governo Netanyahu levou à expansão exponencial dos assentamentos israelenses ilegais na Cisjordânia e na parte oriental de Jerusalém. Na Faixa de Gaza, emergia o Hamas, que acusava a Autoridade Palestina de traição por ter assinado um acordo que reconhecia o direito de Israel de existir. Como aliados tácitos, a extrema-direita israelense e o grupo terrorista palestino torpedearam qualquer possibilidade do que fora firmado em Oslo ter sucesso.
Assim, a paz sonhada em Oslo se esfarelou diante da combinação explosiva de extremismo religioso, desconfiança política e ambições territoriais. Ambos os lados contribuíram para o fracasso: os atentados do Hamas alimentaram o medo em Israel, e os governos israelenses subsequentes usaram esse medo para justificar a ocupação e bloquear qualquer solução viável de dois Estados. A esperança transformou-se em cinismo, e o Oriente Médio voltou ao ciclo de violência que parecia superado.
Três décadas depois, a esperança da paz volta a brotar no terreno árido do Oriente Médio. O Plano de Paz para Gaza acena com a possibilidade de pôr fim à carnificina que matou 67 mil palestinos, dos quais 20 mil eram crianças — tragédia desencadeada após o bárbaro ataque do Hamas em 7 de outubro de 2023, que resultou em mais de 1.000 israelenses assassinados e cerca de 200 pessoas sequestradas, incluindo mulheres e crianças. Ainda que muitos atores de trinta anos atrás sejam os mesmos, o cenário é diferente do dos anos 1990. Nisso, Trump tem razão: está em jogo não apenas o futuro da Faixa de Gaza, mas também a estabilidade de todo o Oriente Médio, uma região sensível e estratégica no tabuleiro geopolítico mundial.
O risco de aliados árabes e islâmicos — como Egito, Arábia Saudita, Jordânia e outros — buscarem o guarda-chuva de outros atores mundiais, como a China, em virtude da continuidade da destruição de Gaza, acendeu o sinal amarelo. Washington percebeu que o prolongamento da guerra mina suas relações com os países do Golfo Pérsico, aliados centrais na contenção do Irã e no equilíbrio energético global.
Esse é o pano de fundo para a mudança de estratégia de Trump em relação ao conflito. Quem antes pensava em fazer de Gaza uma “Riviera” do Oriente Médio, com a expulsão dos palestinos, fez um giro de 180 graus ao apresentar um plano de paz que tem recebido apoio de países árabes e europeus. Mesmo o Brasil, cuja nota oficial é cheia de reticências, teve de reconhecer — como afirmou o chanceler Mauro Vieira na Comissão de Relações Exteriores da Câmara — que o objetivo do plano de Trump “é justamente tudo o que sempre defendemos: libertação dos reféns, fim do conflito, reconstrução de Gaza, respeito aos direitos humanos e ajuda humanitária”. Sendo assim, seria um absurdo rejeitar o plano por conta de um suposto pecado original.
Ademais, Trump corria o risco de ficar absolutamente isolado no concerto das nações caso persistisse em seu apoio irrestrito e absoluto a Israel. Ronald Reagan pagou preço semelhante em seu governo, ao manter apoio ao regime do apartheid na África do Sul. A comunidade internacional adotava medidas de represália contra aquele regime, mas Reagan não as acompanhou — até que, à sua revelia, o Congresso americano aprovou, em 1986, o Comprehensive Anti-Apartheid Act, impondo sanções econômicas e restrições financeiras à África do Sul.
Trump percebeu a mudança profunda no cenário diplomático mundial. Israel, outrora bastião ocidental no Oriente Médio por ser o único país da região de regime democrático, isolou-se politicamente, apesar de suas vitórias militares.
Esse é o grande paradoxo do momento atual: Israel venceu a guerra, mas perdeu a paz. No campo de batalha, conseguiu enfraquecer militarmente seus principais inimigos — Hamas, Hezbollah e Irã —, mas, no campo político, acumula derrotas sucessivas. A imagem internacional de Israel está em erosão acelerada, e Netanyahu, há décadas um dos maiores obstáculos à solução de dois Estados, encontra-se isolado tanto no exterior quanto dentro de seu próprio país.
O Plano de Trump para Gaza devolve a importância da diplomacia e propõe um cessar-fogo permanente, a libertação dos reféns, a entrada irrestrita de ajuda humanitária e a reconstrução do território sob autoridade palestina. Embora haja ceticismo quanto às intenções de Washington e à viabilidade do plano, é inegável que ele recoloca a paz na agenda internacional — algo impensável até poucos meses atrás.
As circunstâncias políticas internas em Israel também se transformam. A oposição, liderada por Yair Lapid e Benny Gantz, já sinalizou disposição em apoiar o governo no Parlamento para aprovar o plano, reconhecendo que a paz é agora uma necessidade estratégica, não apenas moral. Por outro lado, a extrema-direita da coalizão de Netanyahu reage com fúria, chamando o acordo de “rendição” e “humilhação nacional”. O premiê israelense enfrenta, assim, um dilema histórico: escolher entre manter o poder à custa da guerra ou aceitar a paz. Enfraquecido, não tem como dizer não ao plano de Trump.
Do lado palestino, o Hamas também se vê diante de uma encruzilhada. Sem força militar ou política, o grupo não tem alternativa senão aceitar o acordo, buscando influenciá-lo por dentro numa tentativa de “entregar os anéis para salvar os dedos”. Mas não tem muitas cartas para negociar. Continuar a guerra é praticamente um suicídio, dado seu isolamento no mundo árabe e islâmico. Até mesmo o Irã — cuja ditadura teocrática sustenta grupos terroristas como o Hamas e o Hezbollah — sinalizou levantar a bandeira branca. Por isso, o Hamas iniciou tratativas indiretas, que já se iniciaram no Egito.
O plano ainda está longe de ser uma paz duradoura. Mas representa um pequeno — e importante — passo em direção ao fim da escalada de horrores iniciada em 07 de outubro de 2023. Não seria a primeira vez que um cessar-fogo e um pacote de reconstrução alimentam expectativas de reconciliação, apenas para naufragarem pouco depois, tragados por novos ciclos de violência e desconfiança mútua. Ainda assim, se houver racionalidade política dos dois lados, talvez essa seja uma rara janela de oportunidade. E, como em Oslo, às vezes a história volta a oferecer uma segunda chance.
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Hubert Alquéres é presidente da Academia Paulista de Educação.
