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    PF mira prefeito de João Pessoa por suspeita de elo com facção

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    O prefeito de João Pessoa, Cícero Lucena Filho (PP), tornou-se alvo de inquérito policial supervisionado pelo Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba (TRE-PB) por suposta participação em esquema de corrupção eleitoral e administrativa envolvendo a facção criminosa “Nova Okaida” (OKD), durante as eleições municipais de 2024.

    As apurações tiveram início na Operação Território Livre, deflagrada pela Polícia Federal (PF), em setembro do ano passado, a partir de indícios de uma rede de influência mútua entre grupos criminosos e o processo eleitoral na capital paraibana.

    4 imagensCícero Lucena, prefeito de João PessoaA primeira-dama de João Pessoa, Lauremília Lucena, ao lado do marido, Cícero LucenaCícero Lucena, prefeito de João Pessoa, e Lauremília LucenaFechar modal.1 de 4

    Cícero Lucena é prefeito de João Pessoa. Nas eleições de 2024 ele declarou à Justiça Eleitoral ter R$ 1.960.723,73 em patrimônio.

    Reprodução/TV Arapuan2 de 4

    Cícero Lucena, prefeito de João Pessoa

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    A primeira-dama de João Pessoa, Lauremília Lucena, ao lado do marido, Cícero Lucena

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    Cícero Lucena, prefeito de João Pessoa, e Lauremília Lucena

    Reprodução/Redes Sociais

    No curso das diligências, a PF identificou coação eleitoral e pressões para garantir apoio a determinados candidatos. As investigações indicam que o crime organizado, especialmente vinculado ao tráfico de drogas, teria se infiltrado na estrutura eleitoral e administrativa do município, influenciando o resultado das eleições e alcançando órgãos públicos locais.

    Segundo o inquérito, o prefeito, então candidato à reeleição pela chapa “João Pessoa no caminho certo”, teria se beneficiado diretamente do apoio da facção “Nova Okaida”. Cícero Lucena foi reeleito prefeito com 258.727 votos, o que representou 63,91% dos votos válidos. À Justiça eleitoral, ele declarou ter gastado R$ 5,1 milhões em despesas durante o pleito do ano passado.

    Primeira-dama teve “papel central” na articulação com os criminosos, diz MP

    Segundo os indícios e as manifestações do Ministério Público Eleitoral (MPE) e do Grupo de Atuação Especial contra o Crime Organizado (GAECO), a primeira-dama de João Pessoa, Maria Lauremília Assis de Lucena, “desempenhou um papel central” na condução das negociações com a facção criminosa no contexto das eleições municipais de 2024. Ela foi identificada ainda como “principal articuladora política” de Cícero Lucena.

    O esquema funcionava sob a lógica da troca: a facção “Nova Okaida” oferecia apoio eleitoral e controle territorial em benefício da chapa “João Pessoa no caminho certo”. Em contrapartida, havia a garantia de nomeações em cargos públicos e a concessão de outros benefícios por parte da administração municipal.

    A coluna procurou as defesas de Cícero Lucena e da primeira-dama, mas até a publicação desta reportagem não houve retorno.

    As negociações ilícitas teriam ocorrido sob a supervisão direta de Cícero Lucena, segundo comunicações interceptadas e documentos apreendidos. Embora o prefeito evitasse contato direto com membros da facção, ele delegava à esposa o papel de interlocutora com o grupo criminoso, mantendo constante acompanhamento das tratativas.

    A primeira-dama de João Pessoa, Lauremília Lucena, ao lado do marido, Cícero LucenaA primeira-dama de João Pessoa, Lauremília Lucena, ao lado do marido, Cícero Lucena

    O conjunto de provas indica que Cícero Lucena seria o “mandante e verdadeiro autor intelectual” das ações da organização criminosa. Ele teria sido o principal beneficiário político do esquema de controle eleitoral, recebendo apoio compulsório de eleitores nas áreas dominadas pela facção.

    Documentos e comunicações apreendidos na residência oficial do prefeito — que também é o endereço de Maria Lauremília — reforçam a suspeita de que Lucena controlava efetivamente as nomeações derivadas dos acordos com a facção.

    A investigação reuniu elementos probatórios robustos que reforçam a hipótese de uma estrutura criminosa sofisticada com atuação interestadual. Diante da possível participação do prefeito, o MPE e o GAECO solicitaram o envio do caso ao TRE-PB, em razão do foro por prerrogativa de função.

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    Crimes sob investigação

    A soma dessas práticas — coação de eleitores, troca de cargos públicos por apoio eleitoral e interferência em penas de condenados — caracteriza um esquema que pode se enquadrar nas seguintes tipificações penais:

    • Organização criminosa (Lei nº 12.850/13);
    • Crimes eleitorais: corrupção eleitoral (art. 299) e coação eleitoral (art. 301 do Código Eleitoral);
    • Corrupção ativa e passiva (arts. 317 e 333 do Código Penal);
    • Peculato (art. 312 do Código Penal);
    • Lavagem de dinheiro (art. 1º da Lei nº 9.613/98).

    Próximos passos da investigação

    Apesar da farta quantidade de indícios, a Procuradoria Regional Eleitoral (PRE) avalia que ainda não há provas suficientes para oferecer denúncia formal contra o prefeito. Segundo o órgão, embora os elementos colhidos apontem envolvimento de Cícero Lucena — por ter sido o principal beneficiário e por ter autorizado a atuação da esposa —, a acusação seria prematura neste estágio processual.

    A PRE reconhece que o material probatório vai além da mera suspeita, mas ainda carece da consistência necessária para sustentar uma denúncia. Assim, o TRE/PB determinou a instauração de um inquérito policial autônomo para aprofundar a apuração sobre a conduta do prefeito.

    No despacho do juiz-relator Bruno Teixeira de Paiva, no TRE-PB, ele atende ao pedido da PRE para que a PF investigue o atual prefeito por essas possíveis ligações que visavam interferir nas eleições do ano passado.

    No ofício, assinado em 20 de agosto, o relator reconhece que não há elementos suficientes para uma denúncia formal contra Cícero Lucena, ainda assim, defende a necessidade da investigação diante do conjunto de provas apresentadas.

    “Os diálogos apresentados, conquanto sugestivos, permanecem na esfera do indiciário, carecendo da consistência probatória que a denúncia exige para legitimar-se. No entanto, esses mesmos elementos não obstam (pelo contrário, autorizam) a necessidade de continuidade das investigações”, observa o relator.

    “Acolho a manifestação ministerial para: autorizar à Polícia Federal na Paraíba a instaurar inquérito, sob a supervisão deste Tribunal Regional Eleitoral, para investigar a concorrência e/ou participação do Prefeito da Capital/PB, Cícero Lucena Filho, nos crimes apurados neste Inquérito, sem prejuízo à apuração de outros que venham a ser descobertos no curso da investigação”.

    O relator do caso ordenou o desmembramento do inquérito original, remetendo as investigações sobre os demais suspeitos — sem foro privilegiado — de volta à Justiça Eleitoral de 1º grau.