O assassinato cinematográfico do corretor de imóveis e inimigo do Primeiro Comando da Capital (PCC) Vinícius Gritzbach, no Aeroporto de Guarulhos em 8 de novembro de 2024, há exatamente um ano, jogou luz sobre a relação entre o crime organizado e as polícias de São Paulo. O caso desgastou o governo do estado e fez com que Tarcísio de Freitas (Republicanos) reconhecesse uma crise, que também teria sido provocada por episódios frequentes de violência policial.
As investigações sobre o homicídio, que seguem em andamento, apontaram que os executores foram policiais militares da ativa contratados pelos criminosos João Congorra Castilho, o Cigarreira, e Diego dos Santos Amaral, o Didi, ligados ao PCC. Além disso, pelo menos outros 15 PMs atuavam fazendo escolta ilegal para Gritzbach.
Na esteira das investigações, o Metrópoles revelou, em janeiro deste ano, que policiais do setor de inteligência da Rota, elite da corporação, teriam recebido R$ 5 milhões do PCC, em setembro de 2020, para passar informações privilegiadas que permitiram a fuga de Marcos Roberto de Almeida, o Tuta, da Operação Sharks, deflagrada pelo Ministério Público estadual. Na época, o traficante era o maior líder da facção fora do sistema prisional.



Antônio Vinícius Lopes Gritzbach voltava de uma viagem com a namorada quando foi executado na tarde de 8 de novembro, na área de desembarque do Terminal 2 do Aeroporto Internacional de São Paulo
Câmera Record/Reprodução
Gritzbach chegou a ser preso, mas acabou liberado
TV Band/Reprodução
Segundo o Ministério Público de São Paulo (MPSP), Gritzbach teria mandado matar dois integrantes do PCC
Reprodução/TV Band
O delator do PCC foi preso em 2 de fevereiro deste ano em um resort de luxo na Bahia
Reprodução/TV Band
Empresário, preso sob suspeita de mandar matar integrantes do PCC, foi solto por determinação do Superior Tribunal de Justiça (STJ)
Divulgação
Corpo de rival do PCC executado no aeroporto
Leonardo Amaro/ Metrópoles
Corpo de rival do PCC morto em desembarque de aeroporto
Leonardo Amaro/ Metrópoles
Delator do PCC foi morto no Aeroporto de Guarulhos
Reprodução
Corpo de rival do PCC morto em desembarque de aeroporto
Reprodução
Reprodução
No caso da Civil, a investigação que correu em âmbito federal apontou crimes cometidos por nove agentes, como corrupção e lavagem de dinheiro. Os policiais civis foram presos pela PF em dezembro do ano passado, acusados de receber propina para arquivar inquéritos.
Além disso, a execução de Gritzbach revelou uma face até então pouco conhecida sobre a relação entre as principais facções do país. De acordo com as investigações, Cigarreira, apontado como um dos mandantes, teria relação com o Comando Vermelho (CV), apesar de também ser ligado à cúpula do PCC na zona leste da capital. O criminoso seria o responsável por abastecer com drogas e armas para comunidades do Rio de Janeiro.
A principal suspeita é que ele, o parceiro Didi e o olheiro Kauê do Amaral Coelho, o Jubileu, tenham fugido para o estado vizinho e se abrigado no Complexo da Penha, sob a tutela da facção carioca.
Leia também
-
Caso Gritzbach: após 1 ano, MPSP vê autoria do crime não esclarecida
-
Justiça Militar manda soltar 3 PMs envolvidos na escolta de Gritzbach
-
Justiça faz 1ª audiência de PMs envolvidos em escolta de Gritzbach
-
Gritzbach: 10 meses depois, polícia ainda tenta identificar mandantes
Novo inquérito
Apesar de a força tarefa da Polícia Civil ter apresentado o relatório final da investigação em março deste ano, apontando Cigarreira e Didi como mandantes do crime, os promotores da Vara do Júri de Guarulhos disseram que o caso não estava encerrado e cobraram a instauração de um novo inquérito para apurar se mais pessoas participaram da contratação dos executores.
A suspeita é que, considerando a hierarquia do PCC, Cigarreira e Didi não poderiam ter tomado a decisão de matar Gritzbach sozinhos.
“Os grupos podem envolver outros policiais militares? Podem. Policiais civis? Podem. Outros delatados pelo Vinícius? Podem. Podem ser pessoas relacionadas com aquela questão das joias? Também podem”, disse o promotor Rodrigo Merli em coletiva no dia 17 de março.
O Metrópoles apurou que, no entanto, em vez de apurar outros possíveis mandantes, o novo inquérito instaurado tem se concentrado na investigação sobre os PMs da escolta. Desde maio, o processo não tem nenhuma movimentação e, com a morte do ex-delegado Ruy Ferraz Fontes, o foco teria sido desviado.
PMs a serviço do PCC
Os três policiais militares presos por participar da execução de Gritzbach são o cabo Denis Antônio Martins, o soldado Ruan Silva Rodrigues — apontados como atiradores –, e o tenente Fernando Genauro, que teria pilotado o carro usado no crime.
O trio seria ligado ao tenente Giovanni de Oliveira Garcia, conhecido como “chefinho”, que coordenava o esquema de escolta ilegal, organizando as escalas de acordo com os horários de trabalho dos envolvidos.
O inquérito concluído em março não conseguiu comprovar o envolvimento direto dos PMs da escolta no homicídio, apesar das suspeitas envolvendo o comportamento da equipe que acompanhava Gritzbach no dia do homicídio. Em vez de esperarem o corretor de imóveis no aeroporto, três deles ficaram em um posto de gasolina por um suposto problema no carro.
Propina de R$ 5 milhões
A descoberta de que o PCC teria pagado R$ 5 milhões por informações privilegiadas que garantiram a fuga de Tuta na Operação Sharks chegou ao conhecimento de promotores do Gaeco, grupo especializado no combate ao crime organizado, a partir de um áudio em que o próprio traficante relata o caso a um comparsa.
Segundo Tuta, o pagamento foi de forma fracionada, com uma entrada de R$ 2 milhões e o restante parcelado. “O pessoal da R [suposta referência à Rota] salvou minha vida na Sharks.”
A mensagem de voz foi obtida pelos promotores durante reunião informal com um integrante do PCC no batalhão da Rota, no centro de São Paulo, em outubro de 2021. Ele foi recebido no local para delatar o envolvimento dos PMs com a maior facção do país.
Na ocasião, ele deu detalhes sobre um esquema na Rota para proteger as principais lideranças do grupo. Entre elas, Silvio Luiz Ferreira, o Cebola; Marcos Roberto de Almeida, o Tuta; Rafael Maeda Pires, o Japa; Cláudio Marcos de Almeida, o Django; e Anselmo Santa Fausta, o Cara Preta. O grupo pertencia à célula da facção ligada à empresa de ônibus UpBus, que seria usada para lavar dinheiro.
Segundo um promotor do Gaeco, o então comandante da Rota, coronel José Augusto Coutinho, hoje comandante geral da PM, não teria tomado providências sobre o caso.
Suspeitas
De acordo com a investigação sobre o homicídio, a motivação seria vingança por três episódios: a morte do líder do PCC Anselmo Santa Fausta, o Cara Preta, em dezembro de 2021, atribuída a Gritzbach; um suposto desvio de parte de um investimento feito pela facção em criptomoedas; e o acordo de delação premiada do corretor de imóveis firmado com o Ministério Público de São Paulo (MPSP).
Em janeiro de 2022, menos de um mês após a morte de Cara Preta, Vinícius Gritzbach foi levado por integrantes da cúpula do PCC para um tribunal do crime em um campo de futebol. Na ocasião, ele seria julgado pelo homicídio e pelo suposto golpe milionário na facção.
Cigarreiro e Didi estavam presentes, além de importantes figuras do PCC, como Danilo Lima de Oliveira, o Tripa; Rafael Maeda Pires, o Japa; e Claudio Marcos de Almeida, o Django. Sob a promessa de entregar aos criminosos as senhas das carteiras digitais em que estavam investidos milhões em criptomoedas, Gritzbach foi libertado.
Uma das hipóteses é que mais participantes do tribunal do crime estejam envolvidos. Também há suspeitas de que policiais civis presos pela Polícia Federal em dezembro do ano passado por lavagem de dinheiro, tráfico, corrupção e diversos outros crimes estejam ligados ao assassinato.
Outra linha de investigação levantada durante o primeiro inquérito é que o crime esteja relacionado com um kit de joias, avaliado em mais de R$ 1 milhão, que o corretor de imóveis recebeu dias antes do crime, durante viagem a Alagoas. Quando foi morto no aeroporto, Gritzbach estava com as joias.





