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    Famoso hotel dificulta que donos aluguem flats, e briga judicial se instala

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    A cidade de Caldas Novas, em Goiás, tem registrado uma ascensão turística nos últimos anos. O local possui cerca de 104 mil leitos de hospedagem e, em função disso, hotéis, flats e resorts costumam colocar algumas de suas propriedades à venda, como é o caso do Riviera Park Hotel — inaugurado em 2013 e considerado o maior hotel de águas termais do Brasil na época.

    Os proprietários que adquiriram os apartamentos tinham como opção colocar o imóvel para alugar, o que poderia ser feito de duas formas: pelo sistema pool — modelo em que as locações são centralizadas por uma empresa gestora e os lucros são distribuídos entre todos os participantes —, ou de forma arbitrária. Contudo, uma decisão da administração atual do condomínio alterou a liberdade de escolha dos condôminos, causando revolta e insatisfação.

    A empresa WAM Riviera Administração Hoteleira é a responsável pela gestão do local. Ela assumiu a administração do prédio em 2023 e, um ano após a posse, várias brigas judiciais foram instauradas em razão de uma notificação feita pela empresa proibindo os proprietários de locarem os seus próprios apartamentos.

    “Há oito meses atrás, nós fomos surpreendidos de forma repentina em que simplesmente nos avisaram que não poderíamos mais alugar esses apartamentos. E nós [que estamos fora da pool] não temos interesse em entrar nesse sistema”, falou a moradora Nilce*.

    Dessa forma, eles seriam obrigados a locar apenas por intermédio da administradora, o que contraria a cláusula da Convenção do condomínio e até mesmo o fôlder da época das vendas dos flats. Assim, aqueles proprietários que usavam o imóvel como uma fonte de renda extra passaram a compartilhar o lucro com a empresa por obrigação.

    “Você pode alugar pelo tempo que quiser” e “Você pode colocar no pool”. As duas promessas, registradas na venda, foram descumpridas

    Entenda a diferença entre proprietários independentes x poolistas

    Independentes

    • Arcam com as taxas de administração;
    • Possuem apartamento próprio e personalizado;
    • Lidam com eventuais custos de adequação do padrão;
    • Pagam condomínio e IPTU do imóvel.

    Poolistas

    • Participantes do sistema hoteleiro;
    • Unidades seguem o mesmo modelo de mobília, enxoval, utensílios e decoração;
    • Fatores como reservas, check-in, canais de venda e manutenção preventiva são gerenciados pela WAM;
    • O proprietário não participa da operação diária, apenas recebe os resultados.

    O Metrópoles acionou a empresa para obter esclarecimentos, mas até o momento da publicação desta reportagem, não houve retorno. O espaço segue aberto para atualizações.

    Após a mudança na política de locações, parte dos condôminos ingressou na Justiça e obteve liminar permitindo alugar os imóveis por conta própria.

    Em uma certidão de protesto cedida à reportagem, 754 pessoas acionaram a empresa na Justiça, gerando uma condenação somada de R$ 577.753,49 à WAM. Além disso, o veículo apurou que a administradora possui uma dívida de R$ 5.231.3447,01 com a União.

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    Destituição da WAM

    Em virtude da decisão da administradora, condôminos se reuniram e elegeram o Conselho Consultivo e Fiscal para tratar tentativas de negociação com a empresa sobre a decisão. Entretanto, Cristiano*, um membro do conselho, relata que, desde então, a WAM vem “sempre arrumando brigas” com os membros.

    “Nossa briga inicial foi por essa locação. Só que posteriormente, quando a gente se uniu, identificamos vários problemas dessa administradora, várias dívidas, protestos e como ela vem deixando o condomínio sucateado.”

    Ele ainda explica que, desde o ano passado, o conselho vem tentando destituir a administradora. Para a destituição ocorrer, é necessária uma votação em uma Assembleia Geral Extraordinária (AGE) entre os proprietários e a WAM.

    Caso a maioria vote a favor, a empresa terá de deixar a administração, visto que a destituição é ato reconhecido pela Lei n° 10.406/2002 (Código Civil) – artigos 1.350 a 1.355. A AGE está marcada para ocorrer no dia 17 de novembro.

    “A gente tem tanto proprietários que não fecharam esse contrato quanto proprietários que são poolistas do nosso lado. Se o problema fosse só de locação, nós não teríamos proprietários poolistas do nosso lado. A briga é porque a administradora e a administração não são transparentes”, conta Crisitano.

    Poolistas expulsos

    O encontro vem sendo dificultado pela empresa e, em uma última ação feita pela WAM, no dia 24 de outubro, 60 proprietários do sistema pool — que estariam aptos a votarem na AGE — foram expulsos. O motivo: votaram contra aumento do reajuste de conta do condomínio.

    Para o membro do conselho, as expulsões foram feitas como uma forma de prejudicar a votação da AGE. “O intuito deles expulsarem foi para que eles estejam inadimplentes na votação e não forme maioria para a destituição deles”, ressaltou.

    Na notificação emitida aos proprietários expulsos, a empresa alega condutas que representam um “descumprimento grave das obrigações contratuais e legais”, em virtude de um afrontamento às disposições contratuais e ao “princípio de boa-fé objetiva”, incluindo “manifestações contrárias aos interesses que afetam e estão afetando sobremaneira a operação hoteleira gerenciada”.

    Além da expulsão, a administração ainda cobrou o valor do condomínio dos poolistas do mês referente a seu despacho como proprietário, gerando, assim, um prejuízo ainda a ser pago por parte dos moradores afetados. Para o membro do conselho, isso se trata de uma situação “irregular”, ilegal e de “exploração econômica”.

    “Eles estão usando o apartamento da pessoa, gerando receita, e cobraram o condomínio do dia 5/11. Se o pool continuou alugando em outubro, ele assume os custos operacionais daquele mês, inclusive condomínio. Não é possível cobrar condomínio e, ao mesmo tempo, operar o imóvel para lucro próprio”, explicou.

    O poolista Israel Delamarca ainda expôs que o sistema, que visaria a um lucro para os proprietários, não estava sendo pago aos moradores participantes. Ele não reside na cidade e comprou o apartamento como uma forma de investimento. “De uns tempos pra cá, eles não pagam nem quem está no pool. Para eu receber o que eu precisava, tive de vir presencialmente ao local e reclamar. Só assim que obtive algum retorno”.

    Falta de transparência

    Na ocasião da proposta do reajuste — recusada pelos poolistas —, a empresa omitiu informações referentes aos valores de prestação de contas. A falta de transparência da WAM foi o que acabou levando o grupo a votar contra.

    “Eles [WAM] contrataram uma auditoria que até hoje não foi repassado para a gente o resultado. Só mostram um detalhe ou outro, sem recibos, extrato bancário, sem nenhum documentação que possa provar o aumento do condomínio”, disse Rilda*, moradora poolista que votou contra e foi expulsa do sistema de integração.

    A omissão dos serviços e a falta de informações prestadas pela WAM reflete também na manutenção que vem levando à deterioração e a desvalorização do local. Segundo relatos, a empresa teria deixado contratar funcionários de manutenção como uma justificativa forçada para o aumento do condomínio.

    Registros como piscina sujas, objetos quebrados e lixo nos locais foram feitos pelos moradores. Veja:

    9 imagensAlém de cadeiras não utilizadas do hotelA falta de manutenção da pintura expõe até vazamentos no localNas escadas, o cenário de abandonoIncluindo lixos jogados de qualquer formaO acúmulo do lixo atrai bichos para dentro das residênciasFechar modal.1 de 9

    Garagem do condomínio virou depósito de materiais

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    Além de cadeiras não utilizadas do hotel

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    A falta de manutenção da pintura expõe até vazamentos no local

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    Nas escadas, o cenário de abandono

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    Incluindo lixos jogados de qualquer forma

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    O acúmulo do lixo atrai bichos para dentro das residências

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    Incluindo baratas e escorpiões

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    Na área de lazer, um cenário de poluição

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    Misturando lixo de comidas e bebidas à beira da piscina

    Imagem cedida ao Metrópoles

    “É um síndico [WAM] querendo ser dono dos nosso imóveis. Em nenhum momento saímos das quatro linhas da Convenção do condomínio. Eles não fazem absolutamente nada. Estamos exaustos já pela falta de respeito e por tudo”, completou Rilda.

    *Nomes fictícios a pedido dos denunciantes.