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    Polícia investiga venda de terreno a “fundo caixa-preta” da Faria Lima

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    O Ministério Público de São Paulo (MPSP) mandou a Polícia Civil investigar possíveis crimes em uma operação de venda de um terreno do Jockey Club de São Vicente, no litoral paulista, que acabou em nome de um “fundo caixa-preta” da Faria Lima, centro financeiro do país.

    O Metrópoles revelou em setembro que um terreno milionário foi vendido abaixo do valor venal pelo Jockey Club e acabou em nome de um fundo abrigado por uma das gestoras investigadas no esquema que conecta a Faria Lima ao Primeiro Comando da Capital (PCC).

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    O imbróglio sobre a área, onde está prevista a inauguração de uma unidade da rede de atacarejo Roldão, foi parar na Justiça após sócios do clube suspeitarem que o patrimônio da entidade está sendo dilapidado pela atual gestão.

    O caso veio à tona com a publicação de uma série de reportagens sobre os fundos “caixa-preta”, estruturas do mercado financeiro usadas para blindar o patrimônio de grandes devedores ou ocultar fortunas ligadas a grupos criminosos, políticos e empresários.

    Chamado Jaffa, o fundo está vinculado à gestora Reag, uma das atingidas pela Operação Carbono Oculto, deflagrada em agosto pelo MPSP. O processo foi aberto por sócios do Jockey contra o próprio clube e contesta a venda, em 2022, de um terreno de 22 mil m². Eles pedem a indisponibilidade dos bens da entidade, alegando risco de dilapidação do patrimônio.

    A suspeita dos sócios se baseia tanto no valor da transação quanto no contexto da negociação de área — que equivale a cerca de três campos de futebol — e gerou a solicitação de apuração de possíveis crimes patrimoniais e falsidade ao Ministério Público. A Promotoria mandou polícia investigar eventuais ilicitudes envolvendo dirigentes do Jockey Clube de São Vicente.

    Segundo a ação, o terreno tinha valor venal de R$ 14,6 milhões, mas foi vendido por R$ 11,4 milhões a uma empresa criada apenas um mês antes. No mesmo dia, essa empresa teria revendido o imóvel à Reag por R$ 15 milhões.

    Os autores da ação sustentam que o imóvel valeria, na verdade, cerca de R$ 100 milhões. O Jockey, por sua vez, afirma que nem mesmo o valor venal estimado pela prefeitura reflete “a realidade mercadológica”.

    Para os sócios que contestam a operação, o clube se desfez de um ativo muito valorizado em uma negociação “nebulosa”, permitindo que empresas privadas explorassem a área sem qualquer retorno à associação.

    No terreno, está prevista a construção de uma unidade do Roldão Atacadista. O mercado não figura no processo, mas foi notificado extrajudicialmente pelos autores da ação. Em resposta, informou que apenas aluga o espaço, registrado em nome do fundo Jaffa.

    Segundo a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o fundo Jaffa, administrado pela Reag, aplica 98% de seus recursos no próprio Roldão. A mesma informação aparece em auditoria independente anexada à CVM, que também aponta insuficiência de dados sobre o fundo e, por isso, se absteve de opinar sobre as demonstrações contábeis.

    O Jaffa tem dois outros cotistas, ambos fundos de investimento, numa estrutura em camadas que dificulta identificar o beneficiário final. A reportagem também constatou que o Jaffa recebe aportes de outro fundo, o Kombi Azul, uma referência ao veículo que simboliza o início da rede Roldão, quando os fundadores faziam entregas em uma Kombi.

    O que dizem os envolvidos

    A reportagem consultou as empresas sobre a ação que aponta suspeitas contra as transações. O Roldão afirmou não ter sido notificado sobre a investigação, mas ressaltou não ser parte no processo e que nunca foi proprietário do imóvel.

    “O Roldão Atacadista é locatário do imóvel de um fundo exclusivo e independente, sem relação com os fundos acionistas da companhia”, declarou. A empresa reitera que não existe ligação societária ou administrativa entre as atividades da rede e o fundo dono do terreno e destaca que “a gestão dos fundos acionistas do Roldão Atacadista é realizada pela Reag, conforme os critérios da legislação e da CVM”.

    O Jockey informou ao Metrópoles que desconhecia a ação movida pelos sócios e defendeu a negociação como “absolutamente legítima”, aprovada previamente por um amplo colegiado. Segundo o clube, associados dissidentes estariam tentando “lançar penumbra” sobre uma operação regular. A entidade afirma ainda que suas certidões judiciais, desabonadoras por causa de dívidas elevadas, teriam restringido o número de interessados. Acrescentou que as transações seguintes levaram o imóvel a um fundo imobiliário ligado ao Roldão, cuja reputação, diz, é “hígida e austera”.

    Após ser alvo da Carbono Oculto, a Reag afirmou em nota que não participa de esquemas de ocultação de patrimônio ou lavagem de dinheiro e que jamais teve relação com organizações criminosas, incluindo o PCC. A gestora diz atuar conforme as normas do mercado financeiro e ressalta que vários fundos mencionados na operação nunca estiveram sob sua administração. Em relação aos veículos para os quais prestou serviços, diz que a atuação foi sempre “diligente e proba” e que esses fundos já haviam sido renunciados ou liquidados meses atrás. A empresa afirma manter práticas sólidas de governança e transparência.

    A nota conclui dizendo que a Reag seguirá atuando “com ética, diligência e transparência, sem qualquer tolerância a desvios”, colaborando com autoridades e defendendo um mercado financeiro íntegro e seguro para seus clientes e investidores.