Nas últimas semanas, o ambiente mundial estava turvo, com impacto negativo nas principais bolsas do planeta. O perigo de uma recessão global tornava-se mais visível diante da crise dos chips, que ameaçava afetar toda a cadeia produtiva do setor automobilístico em razão do bloqueio das exportações chinesas. O cenário se desanuviou graças ao encontro entre Donald Trump e Xi Jinping, realizado na Coreia do Sul. Em tempos de rivalidade crescente entre as duas maiores potências, o acordo entre suas lideranças evidenciou que o caminho do diálogo e da diplomacia continua sendo possível. Ele não significou o fim da guerra tarifária global, mas, sem dúvida, criou um clima de otimismo moderado quanto à possibilidade de se evitar a recessão.
Ao chegarem a um entendimento, Estados Unidos e China sinalizaram que a competição entre os dois países pode ocorrer com um mínimo de previsibilidade, sem colocar em risco a estabilidade global.
Trump se rendeu à interdependência global; Xi, à desaceleração chinesa. Ambos entenderam que prolongar o conflito custaria caro demais.
As recentes eleições ocorridas nos Estados Unidos, com vitórias significativas dos democratas — como a da Prefeitura de Nova York —, evidenciam o quanto a popularidade do presidente americano vem sendo afetada por sua guerra tarifária.
À China tampouco interessa um clima de beligerância econômica dura e prolongada. Com uma economia umbilicalmente ligada ao mercado mundial e inserida como grande player nas cadeias produtivas globais, uma recessão planetária afetaria seus próprios interesses e sua estratégia de transformar-se na principal potência econômica pela via do comércio e da inserção na economia mundial.
Esses dois fatores levaram os líderes a sentarem-se à mesa de negociação e a estabelecerem um acordo mutuamente benéfico. Assim, Pequim se comprometeu a retomar importações de produtos agrícolas norte-americanos, como a soja, enquanto Washington suspendeu a imposição de novas tarifas e adiou parte dos controles sobre exportações de tecnologia. Houve também um aceno na área de segurança: a promessa de colaboração chinesa no combate ao tráfico de precursores químicos do fentanil, uma epidemia que preocupa profundamente os Estados Unidos.
O impacto foi imediato. As principais bolsas asiáticas subiram, o dólar perdeu força frente ao iene e o yuan se valorizou modestamente. Em Nova York, o índice S&P 500 manteve-se em níveis historicamente elevados, refletindo o otimismo decorrente da redução do risco de choques no comércio e na tecnologia. Em Londres, o FTSE 100 encerrou a primeira semana de novembro em leve alta, em sintonia com o clima global de menor tensão.
Na América Latina, a reação foi ainda mais expressiva. No Brasil, o índice da Bolsa de Valores ultrapassou pela primeira vez os 150 mil pontos, um recorde histórico. A alta acumulada superou 25%, sustentada pela percepção de que o ambiente externo se tornara menos hostil. Analistas apontam que, mesmo com o recorde, o mercado brasileiro segue “barato” em relação a outras praças emergentes — um sinal de que a confiança global ainda vê espaço para valorização. Esse avanço da bolsa brasileira ilustra com clareza como a distensão entre Washington e Pequim beneficia não apenas as duas potências, mas todo o ecossistema financeiro planetário.
Foi afastado o risco imediato de um colapso em escala global da indústria automotiva, em decorrência do bloqueio das exportações chinesas de chips e de minerais estratégicos extraídos de terras raras. Isso representa um alívio para a indústria automotiva mundial, que estava na iminência de interromper a produção em vários países.
Mesmo reconhecendo que o acordo gerou o que especialistas vêm chamando de “estabilidade condicionada”, ele é bem-vindo por suas consequências geopolíticas e econômicas. O comércio mundial vinha sofrendo as consequências da exacerbação da rivalidade sino-americana. Países emergentes e potências médias eram intimados a tomar partido, e empresas relutavam em investir nesses mercados.
O encontro de Trump e Xi devolve ao mundo a sensação de que é possível uma coexistência pragmática. Essa pausa estratégica ajuda a conter a desglobalização e restaura, ainda que de modo parcial, a confiança no multilateralismo e no livre comércio. Não é um movimento consolidado, mas evidencia que a alternativa a ele — a guerra comercial — não é sustentável. O sonho de Trump de fazer os Estados Unidos voltarem a ser grandes pela via da industrialização autóctone e desvinculada das cadeias produtivas globais é uma miragem — ou, melhor dizendo, um pesadelo.
O realismo político, contudo, sugere que o acordo não deve ser romantizado. Ele não encerra a disputa tecnológica — em torno de chips, inteligência artificial e energia verde. Entre os temas que seguem em suspenso está Taiwan, epicentro da indústria global de semicondutores, cuja disputa simboliza o ponto mais delicado da rivalidade sino-americana e continua a impedir uma distensão duradoura.
Mas, ao reduzir o tom e criar um canal de diálogo, produz algo mais valioso: tempo. Tempo para que as cadeias globais se ajustem, para que os investidores retomem o apetite por risco e para que a economia mundial reencontre algum grau de previsibilidade.
É cedo, porém, para falar em estabilidade duradoura. A trégua tem prazo: um ano de suspensão de medidas restritivas e consultas diplomáticas regulares. Findo esse período, tudo dependerá da disposição das partes em institucionalizar o diálogo. Mesmo assim, uma data de validade pode ser valiosa, se nesse intervalo o mundo aproveitar para se reorganizar.
A retomada do diálogo entre Trump e Xi, portanto, deve ser vista de forma positiva, mas sem ingenuidade. O encontro não inaugura uma nova era de cooperação global, mas demonstra que a política ainda pode conter o instinto do conflito. Se o futuro ainda é incerto, ao menos o presente ganhou um breve respiro. E, num mundo tão polarizado, às vezes o respiro é tudo de que precisamos para evitar o sufocamento coletivo.
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Hubert Alquéres é presidente da Academia Paulista de Educação e vice-presidente da Câmara Brasileira do Livro.
