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    Vale minimizou chances de derrota em ação sobre Mariana na Inglaterra

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    A mineradora Vale minimizou, em comunicado a investidores nos últimos meses, as chances de a BHP Billiton, sua sócia na Samarco, ser derrotada na ação bilionária que pede, na Inglaterra, indenização a mais de 600 mil atingidos pelo rompimento da barragem do Fundão, em Mariana (MG), há 10 anos.

    O Tribunal Superior de Londres, no entanto, considerou nesta sexta-feira (14/11) que a mineradora anglo-australiana teve “responsabilidade absoluta” pelo rompimento da barragem que matou 19 pessoas e provocou o maior desastre ambiental da história do Brasil. A decisão da Justiça inglesa afirma que a mineradora tinha conhecimento do risco de ruptura muito antes do colapso e deixou de adotar as medidas necessárias para evitar a tragédia.

    Documentos analisados pela coluna mostram que a mineradora Vale avaliou como “remota” as chances da companhia perder a causa na Justiça inglesa. A informação sobre “chances de perda” consta no último Formulário de Referência, de 24 de outubro, encaminhado à Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

    6 imagensÁreas atingidas pelo rompimento de barragem da Samarco no Espirito SantoComunidade de Paracatu de Baixo, em Minas Gerais, devastada pela lama; barragem de rejeito se rompeu em 2015Mariana (MG) - Distrito de Bento Rodrigues, em Mariana (MG), atingido pelo rompimento de duas barragens de rejeitos da mineradora Samarco, em novembro de 2015Planta industrial da Samarco no complexo de Germano, em Mariana (MG)Mineradora Vale S.A. é uma das controladoras da SamarcoFechar modal.1 de 6

    Foz do rio Doce, distrito de Regência; comunidade enfrente dificuldades pela contaminação dos rejeitos de mineração

    Tânia Rêgo/Agência Brasil2 de 6

    Áreas atingidas pelo rompimento de barragem da Samarco no Espirito Santo

    Paulo de Araújo/Ministério do Meio Ambiente3 de 6

    Comunidade de Paracatu de Baixo, em Minas Gerais, devastada pela lama; barragem de rejeito se rompeu em 2015

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    Mariana (MG) – Distrito de Bento Rodrigues, em Mariana (MG), atingido pelo rompimento de duas barragens de rejeitos da mineradora Samarco, em novembro de 2015

    (Antonio Cruz/Agência Brasil)5 de 6

    Planta industrial da Samarco no complexo de Germano, em Mariana (MG)

    Samarco/Divulgação6 de 6

    Mineradora Vale S.A. é uma das controladoras da Samarco

    Hariandi Hafid/SOPA Images/LightRocket via Getty Images

    “A Vale poderá sofrer impacto financeiro superior a R$ 10 bilhões, a depender das provas que forem produzidas e do que vier a ser calculado em fase de liquidação. Além disso, poderá sofrer danos à imagem”, ponderou a mineradora no campo “análise do impacto em caso de perda do processo” no relatório a investidores.

    Procurada, a mineradora informou que “não comenta ações judiciais em andamento”.

    É regra que as empresas listem com periodicidade à CMV, como “fatores de risco”, os processos em que estejam implicadas e que possam resultar em perdas relevantes aos cofres da própria companhia. Essa espécie de transparência sobre as chances de perda permite aos investidores e ao mercado traçarem perspectivas sobre o futuro e fazerem cálculos de riscos nos investimentos.

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    Ação em Londres

    O escritório inglês Pogust Goodhead, famoso internacionalmente por mover ações coletivas contra grandes corporações, entrou com o processo de indenização, em 2018, contra a mineradora anglo-australiana BHP Billiton, que estava na listada na Bolsa de Londres à época do desastre em Mariana.

    A BHP mantinha duas sedes à época do rompimento, uma delas em Londres, o que possibilitou o julgamento no Reino Unido. Desde o início, a empresa — coproprietária da Samarco ao lado da mineradora brasileira Vale — negou ser “poluidora direta”. Já os advogados das vítimas afirmam que a companhia tinha conhecimento, praticamente desde o começo, dos graves riscos representados pela barragem.

    A sentença publicada nesta sexta-feira pela justiça inglesa abre caminho para indenizações milionárias. “Com a decisão de hoje, as mineradoras agora vão ter que começar a pagar pelo que sempre fizeram: destruir a vida das comunidades locais e seguir em frente até a próxima ‘tragédia’. Agora, no caso de Mariana, fica claro que não haverá impunidade”, afirmou o advogado Thomas Goodhead, autor da tese que levou o caso à corte inglesa.

    Atual CEO do Pogust Goodhead, Alicia Alinia reforçou que a sentença estabelece um importante precedente de caráter global. “Esta decisão envia um recado claro para multinacionais no mundo todo. Não é possível ignorar o dever de cuidado e simplesmente se afastar da destruição causada. A responsabilidade está estabelecida. A BHP agora deve responder e pagar o que é devido”, ressaltou.

    Na sentença, a juíza Finola O’Farrell rejeitou as tentativas da BHP de limitar sua responsabilidade e autorizou o avanço do processo para a fase de avaliação dos danos, com base na legislação ambiental e no Código Civil brasileiros.

    “No Brasil, não houve justiça”

    Após o início da ação em Londres, a Justiça brasileira absolveu as empresas alegando que as provas analisadas não foram “determinantes” para estabelecer a responsabilidade. Pouco antes, em 25 de outubro, quando o julgamento britânico acabara de começar, autoridades brasileiras firmaram com as empresas um acordo de indenização de R$ 132 bilhões (cerca de US$ 25 bilhões).

    “No Brasil, não houve justiça”, afirmou em março, em Londres, Pamela Rayane Fernandes, uma das três vítimas presentes no último dia do julgamento, que perdeu a filha de cinco anos na tragédia.

    A empresa australiana afirmou ter prestado assistência financeira a 432 mil pessoas, empresas locais e comunidades indígenas. Mas os advogados do grupo de vítimas sustentam que o acordo firmado pela BHP com autoridades brasileiras cobre menos de 40% dos afetados.