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    Fidelidade a serviço de quem? Por Maria José Correia

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    Fidelidade parece ser um tema pouco necessário, muito mais considerado uma escolha do que uma estrutura impositiva a serviço de determinado grupo. Mas a quem sua obrigatoriedade é realmente imposta e a que grupos beneficia? 

    Quando se trata de fidelidade feminina, o que a sociedade nos ensina é que “mulher tem que respeitar” e mais ainda: que “mulher tem que se dar o respeito”. Ninguém nos explica o que isso quer dizer. Apenas é. Tem que ser assim. E se assim não o for, não apenas o seu caráter vai estar posto à prova, como também a sua vida. 

    Quando a fidelidade é relativa aos homens, ninguém discorda que eles têm que respeitar suas parceiras, mas quando são colocados em julgamento por infidelidade, os argumentos são sempre os mesmos: Homem trai “porque a mulher não o satisfaz”, “porque homem é homem”, “porque a mulher ficou desleixada depois do filho”, “porque a outra insistiu e se dissesse “não” haveria dúvidas sobre sua sexualidade”. 

    A mulher é culpabilizada duplamente. Primeiro pelo que ela faz e segundo pelo que ela “deixa” o homem fazer. 

    Os adjetivos que se aplicam às pessoas do sexo feminino, especialmente em situação de infidelidade, nunca se aplicam na mesma intensidade às do sexo masculino, ao contrário, muitos dos que são pejorativos para mulheres são elogiosos aos homens. Para a sociedade, uma mulher puta é alguém que tem vários parceiros sexuais, alguém que não merece respeito, já um homem puto é alguém que está chateado com algo; Uma mulher galinha também é uma mulher sem valores morais que não respeita e não se respeita, ao passo que um homem galinha é um garanhão, macho, pegador. São apenas dois de inúmeros exemplos que caracterizam o machismo que envolve os papéis de cada um na sociedade. 

    A questão da fidelidade, no entanto, não se encerra na questão moral. Ela, além de ser mais um dos elementos que acirra as desigualdades de gênero, impacta fortemente no direto à vida das mulheres. No Brasil colonial e durante muito tempo do republicano, a lei permitia ao marido matar a mulher apanhada em flagrante adultério por “legítima defesa da honra”. Hoje, o ato não é legalmente aceito, mas é ainda socialmente válido, basta observar que quando uma mulher é assassinada, a sociedade quer respostas, mas não sobre o porquê de permanecermos subjugadas pela estrutura patriarcal, mas sobre o que ELA fez para merecer tal ato de barbárie.   

    A bíblia fala sobre o respeito mútuo no casamento, mas o que nos ensinam com mais facilidade é sobre a sujeição da mulher à autoridade do marido: Colossenses 3: 18-19 “Mulheres, sujeite-se cada uma a seu marido, como convém a quem está no Senhor. Maridos, ame cada um a sua mulher e não a tratem com amargura.”. 

    Ainda há dúvidas sobre a quem a fidelidade presta serviço? 

    Maria José Correia

    Por  Maria José Correia (formada em História – UFAC e estudante de mestrado – UFAC) /25 de abril de 2020