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    Racismo autorizado e justificado pelo discurso da igualdade

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    Como pessoa de pele branca (embora filha de negra), devo começar este breve texto com três apontamentos: o primeiro é que privilégio branco significa nunca ter sido morta(o), excluída(o), humilhada(o), silenciada(o) ou confundida(o) com vendedor(a) em razão da cor da pele; o segundo é que ser antirracista é um dever moral e ético de cada um(a) de nós; e o terceiro é que escrevo na perspectiva de contribuir com a luta antirracista, mas sabendo que não falo PELAS pessoas negras, mas COM elas.

    A nação brasileira, conforme os dados do IBGE de 2019, é constituída de 56,1% negros (considerando pretos e pardos), no entanto, dependendo dos locais que frequentamos, ela pode aparentar exclusivamente branca. A população negra é minoria em cargos de chefia, em representações de cargos políticos, em concursos de beleza, e embora seja a maior parte da força de trabalho no Brasil, também representa o maior percentual de trabalhadores desocupados e subutilizados (IBGE – Pnad, 2019), além de constituir maior população carcerária e ser sub-representada no cinema, na televisão, no funcionalismo público, na educação, dentre outros espaços.  

    Há, contudo, um discurso sobre “igualdade”, proferido principalmente por quem é beneficiário da desigualdade, que mascara estes números e tenta nos convencer de que as oportunidades não escolhem cor, quando na realidade, basta observar quem não pode correr livremente sob pena de ser confundido com assaltante, quem não pode entrar em loja sem ser seguido por funcionários, quem está sempre protagonizando piadas depreciativas, quem tem sempre corpos hipersexualizados, quem tem sempre que provar mais do que o comum para ser aceito/ouvido.

    A institucionalização do racismo nunca esteve tão manifesta. O atual governo tentou com alguma esperteza compor sua equipe de forma “plural”, mas o fez intencionalmente de modo a deslegitimar importantes lutas sociais. Nomeou mulheres para ministérios e secretarias (nenhuma delas reconhece a desigualdade de gênero), nomeou evangélicos (nenhum deles guarda os princípios do cristianismo), e conseguiu a façanha de nomear, para o cargo de presidente da Fundação Palmares, Sérgio Camargo, um homem negro que acredita ter sido benéfica a escravidão para a população negra e que, mesmo presidindo o órgão responsável por fomentar a preservação da cultura afro-brasileira, referiu-se recentemente ao movimento negro como “vagabundos” e  “escória maldita”.

    O racismo de um modo geral é perverso, mas contra pessoas negras ele é ainda mais institucional, autorizado e constantemente justificado. Muitas pessoas usam o discurso da “igualdade” sob a ótica negacionista, de modo que é comum ouvirmos a declaração “não precisamos identificar as pessoas como negras, brancas ou indígenas, somos todos humanos”. E esta até que seria uma bela frase se não lembrássemos dos OITENTA tiros disparados pelo exército contra o carro do músico Evaldo Rosa dos Santos e sua família. A frase também faria sentido se não recordássemos de quando a polícia matou o garçom Rodrigo Alexandre da Silva Serrano depois de confundir seu guarda-chuva com um fuzil. Seria fácil concordar com a frase se não fosse tão recente o assassinato de Ágatha Vitória Sales Félix, de 8 anos, baleada nas costas pela polícia dentro de uma Kombi à caminho de casa ou das mais de cinco crianças mortas em contextos semelhantes em menos de um ano. Todos inocentes. Todos negros, todos mortos. A bala nunca esteve perdida, nunca errou o alvo.

    Por:  Maria José Correia (formada em História – Ufac e mestranda em Educação – Ufac) – 08 de junho de 2020.