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    Desistência de Simone Biles reforça papel da saúde mental no esporte

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    Duas das principais estrelas de Tóquio 2020, Simone Biles e Naomi Osaka revelaram ao mundo problemas psicológicos. A ginasta norte-americana optou por desistir das competições por equipe e individual geral, mesmo classificada para a final. Já a tenista japonesa, uma das favoritas na modalidade, foi desclassificada ainda nas oitavas.

    Após conseguir uma pontuação considerada baixa para seu nível durante a apresentação por equipes, Biles pediu para ser substituída e, nesta quarta-feira (28), e optando por abandonar a competição individual também. Não se sabe ainda se ela irá competir nas finais por aparelhos.

    Emblemáticos, os episódios alçaram ao debate a questão sobre a saúde mental dos atletas de alto nível. Neste sentido, o psicólogo João Ricardo Cozac, presidente da Associação Paulista da Psicologia do Esporte e que há 30 anos acompanha atletas em diferentes modalidades, é categórico ao afirmar que o esporte de alto rendimento está longe de ser um lugar psicologicamente saudável. 

    Silenciosamente, atletas vivem um retrato de desequilíbrio das emoções (JOÃO RICARDO COZAC, PSICÓLOGO DO ESPORTE)

    Ele explica que, se não acompanhados desde o início da carreira, os atletas são duramente impactados pelo mundo que compõe o espetáculo esportivo e, dentro deste contexto, atletas que poderiam triunfar acabam tendo o desempenho reduzido e o sofrimento aumentado.

    “Os atletas de alto rendimento trazem em si exigências que não são simples, que mexem com autoimagem, identidade e autoestima. O importante da Simone Biles revelar seu estado interno é um fortalecimento para que os demais atletas também possam reivindicar uma qualidade melhor desse perfil psicológico e emocional desde o início das suas carreiras”, afirma.

    Ele destaca que o suporte psicológico é necessário não apenas nos momentos de pressão ou derrota. “O treinamento psicológico é a base da pirâmide do treinamento esportivo. Em um lado desse triângulo está a preparação física, do outro a preparação tática e técnica e, na base, a preparação psicológica”, explica.

    “Você não pode criar atletas com corpos de aço, técnicas de aço e a base de barro. No momento em que tudo desaba, não adianta ter talento e medalhas, o que importa é o suporte emocional”, afirma o especialista.

    No caso de atletas que iniciam a carreira ainda na infância, como na ginástica, por exemplo, Cozac explica que o impacto da pressão pode ser ainda maior se não houver um acompanhamento especializado.

    “Quando a Simone Biles fala sobre a vida para além da ginástica, o que ela quer dizer é que há um ser humano que abdicou de uma infância, da adolescência e início da fase adulta em nome do esporte e em alguns momentos essas vivências fazem falta para que o desenvolvimento emocional possa ocorrer de uma forma natural e saudável”, ressalta o psicólogo.

    Para ele, o caso da norte-americana é um grande sinal de alerta para que a comunidade esportiva pense na saúde mental dos atletas com mais seriedade e que este treinamento psicológico seja prioridade durante todo o percurso da carreira.

    “O peso da fama e das expectativas é quase insuportável para alguns atletas, dependendo do perfil de personalidade e das vivências anteriores no período de desenvolvimento da infância. Atletas silenciosamente vivem um retrato de desequilíbrio das emoções e uma tentativa de adaptação às exigências. Não raro, o final dessa equação são as síndromes e a desistência precoce da prática esportiva, quadros agudos de depressão e crises de ansiedade”, diz Cozac.

    Por R7