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    Rivalidade Feminina

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    Certa vez ouvi alguém dizer que nós, mulheres, não nos arrumamos para sermos vistas por homens, mas sim por outras mulheres, já que os homens nos preferem nuas. Embora hoje eu saiba da sexualização e objetificação dos corpos femininos que a fala impõe, e que o primeiro erro deste pensamento seja o de pressupor que o correto seria que todas as ações das mulheres fossem voltadas para atender às expectativas do público masculino, há uma outra questão, talvez mais importante e muito séria, que a frase perpetua com muita naturalidade: a rivalidade feminina.

    Uma das estratégias mais eficientes do patriarcado é, sem dúvidas, a rivalidade feminina. E a eficiência dessa tática está no fato de que as mulheres, embora não sejam mentoras nem beneficiárias dela, são suas exímias defensoras. Elas acreditam estarem sempre diante de inimigas, e que a garantia de seu espaço intocado só depende do quanto elas se esforcem para evitar a aproximação de outras, seja na esfera do trabalho, dos relacionamentos amorosos ou de quaisquer planos de vida.  

    Mas a verdade é que existe um sistema sólido de dominação masculina, que fica mais forte cada vez que uma mulher menospreza, agride ou se faz inimiga de outra. Desde muito cedo somos ensinadas a sermos rivais, especialmente na disputa pela atenção masculina. Como se não bastasse a imposição da feminilidade nos projetar sempre dóceis, educadas, sensíveis e compreensivas, ainda aprendemos com a prática que só determinados comportamentos competitivos podem nos tornar mulheres dignas do amor dos homens.

    O resultado dessa eficiente tática é um número muito grande de mulheres cada vez menos cientes do seu potencial e autossuficiência, e que sujeitam-se com frequência a maternar homens adultos e a perdoar incansavelmente suas falhas, transferindo-as, muitas vezes, a outras mulheres. Assim, torna-se bem mais fácil acreditar nos contos que sempre se repetem nas falas masculinas sobre a ex-companheira que era louca, sobre a mulher que (sozinha) destruiu o casamento da outra, sobre a fulana de engravidou de propósito para “prender o homem”, e muitas outras falas tão falsas quanto violentas.

    Quando a rivalidade feminina opera, não resta qualquer responsabilidade para os homens assumirem. Não foram ELES que, voluntariamente, fizeram sexo com suas amantes, engravidando-as; não foram ELES que foram violentos com suas parceiras, a culpa era delas que queriam enfrentá-los; também não foram ELES que abandonaram suas parceiras após o primeiro filho, foram elas que se descuidaram, afinal, como diz mais uma frase aviltante “o que se tem em casa não se busca na rua”.

    É, dessa forma, perpetuando o mito a rivalidade feminina, que nós, mulheres, construímos e fortalecemos uma estrutura que em nada nos beneficia, mas, ao contrário, nos adoece, nos diminui, nos violenta e nos mata.

    Que nós, mulheres, tenhamos a liberdade nos arrumar para nós, ou que não façamos nada, e que isso também seja por nós. Que a pessoa que uma vez me falou de como os homens preferiam nos ver saiba que não somos um corpo servil, e que um dia saibamos que não há dignidade ou legitimidade na luta que nos rivaliza, que não somos inimigas umas das outras, mas de um sistema.

    Por:  Maria José Correia (formada em História – Ufac e Mestra em Educação – Ufac).