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    Uma dose de esperança

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    Não é sobre vacina.

    No mês passado, quando desenvolvia junto aos alunos do 6º ano a temática dos reinos antigos da África, solicitei aos alunos uma atividade sobre o UBUNTU. Essa palavra se refere a um comportamento vivenciado principalmente por sociedades da África subsaariana, em especial os povos bantos. Viver segundo o UBUNTU é o mesmo que adotar comportamentos e formas de pensar voltados ao bem de toda uma comunidade: generosidade, sensibilidade, empatia e trabalho coletivo. A ideia central do UBUNTU é perceber que nossa vida está integrada à vida de outras pessoas.

    A atividade consistia em escrever um pequeno texto dizendo como é possível adotar os princípios do UBUNTU no cotidiano, citando exemplos de experiências já vivenciadas.

    Dentre os muitos relatos engraçados e bem elaborados, havia um muito especial. Se eu não conhecesse a Laís[1], mesmo à distância, não ouvisse seus comentários nas aulas, não a acompanhasse no Instagram, pensaria que o texto (que ela chamou de “desabafo”) era de outra pessoa.

    Laís me autorizou a falar do texto aqui e citar trechos, com correções e sem alterações no conteúdo.

    Em seu pequeno texto, ela questiona o incômodo da sociedade em relação àqueles(as) que são diferentes, citando brevemente grupos em situação de opressão:

    “Todos nós sabemos que: isso é uma ignorância e preconceito com pessoas que apenas querem viver sua vida de acordo com sua escolha de identidade de gênero e sexualidade. Muitos vivem sob pressão, por conta de sua cor de pele, ou sua altura, peso… E o Brasil é formado por pessoas, culturas, jeitos diferentes! Isso torna o País incrível, mas por trás disso há um país cheio de preconceito, e intolerância ao próximo.” [2]

    Laís também identificou uma situação de seu cotidiano que classificou como um gesto de UBUNTU:

    “Eu e minha colega estávamos conversando e comendo, já que era hora do recreio, quando um menino do 7º ano (eu acho) começou a rir da cara da minha colega por ela ser negra… Eu fiquei com raiva, queria voar na cara dele, mas ela INFELIZMENTE não deixou, então nós duas fomos até a nossa professora e falamos tudo o que havia acontecido, depois foi tudo resolvido, e descobrimos que esse menino era autista, ele também pediu desculpas pra ela.

     As falas da Laís são próprias de um contexto de liberdade. Com certeza (pela idade) não são provenientes de leituras densas e aprofundadas, mas de uma educação familiar e escolar politicamente comprometidas.

    Penso que deveria ser comum alunos do 6º ano participarem ativamente de discussões políticas, serem instigados a pensarem e avaliarem as situações de seu cotidiano com autonomia, tal como faz a Laís.

    Mas, devo considerar que ela tem o privilégio de viver em uma família que lhe permita se expressar, pois, para muitas pessoas, desenvolver consciência é um ato que não deve fazer parte da infância.

    A infância, no entanto, é construção, é quando a socialização primária e secundária agem em conjunto para formar o cidadão. Privar as crianças dos conhecimentos de mundo ou impedir que pensem e falem sobre os problemas que as cercam, não faz com que eles desapareçam.

    E eu, professora de história, que já tomei minha segunda dose da vacina contra a COVID-19, já tomei também minha dose de esperança.

    Notas:

    [1] Laís Esther é aluna do 6º ano de uma escola em Rio Branco/Acre.

    [2] Os trechos citados foram autorizados pela aluna e revisados gramaticalmente, mantendo-se toda a originalidade do conteúdo.

    Por:  Maria José Correia (formada em História – Ufac e Mestra em Educação – Ufac).