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    A POLÍTICA NOSSA DE CADA DIA

    Por Hugo Brito

    Eu ouvia claramente o que falavam. Havia indignação nos gestos e tom de voz de um deles. Eram dois senhores que estavam sentados à mesa do lado. Eu fingia distração, enquanto ponderava seus dizeres.

    – É o que estou lhe dizendo, meu compadre, um apertar de mãos exagerado e palavras amistosas a cada dois anos. Nem falo dos sorrisos ensaiados. Tão ensaiados pela prática, que enganam sem esforços, apesar de sabermos as intenções que escondem.

    – E eu não sei, compadre?! É como estou lhe dizendo, o homem já veio logo me chamando de amigo e me abraçando. Ele nem pediu para subir a escada de minha casa, foi tomando chegada na medida em que falava do meu valor e perguntava por cada um de meus filhos. Lembrou com facilidade do nome de todos da minha família, inclusive dos meus avós paternos e do quanto eles foram importantes para a fundação de nossa cidade. Ainda reclamou do tempo que ficou sem sentir o gosto do café de Zumira.  Disse que nunca havia tomado um igual. Zumira, que estava antes contrariada em recebê-lo, já desmontou a cara fechada e alargou um sorriso.

    – Ora, homem, e você perdeu a chance de perguntar como ele lembrou do caminho de sua casa?! Afinal, faz quatro anos… e o que é pior, como ele conseguiu transitar pela sua rua, que é um amontoado de mato e lama?!

    – Eu tentei, meu compadre, mas ele olhou logo ao redor e lembrou da cozinha que há muito tempo quero fazer. Falou bem seriamente do quanto isso vai ser bom para a Zumira, pois um lugar descente para ela cuidar das refeições de todos de casa é uma questão de dignidade. Perguntou do quanto eu iria precisar para fazer a obra. Eu falei, e ele, com um semblante sério, disse que era questão de honra nos ajudar. E quanto a esse problema da rua, meu compadre, isso é coisa que vem de outros governos. Não é obrigação dele arrumar as bagunças de outros. O homem tá fazendo o que dá. Isso temos que reconhecer.

    – E você aceitou a tal ajuda?

    – Eu preciso, compadre! E outra, a bem da verdade, gosto dele. Dizem por aí que rouba, nem sei se é verdade. Uma coisa é certa, pode até ter roubado, mas fez alguma coisa.

    – Não sabia que você pensava assim! E se ele ganhar, como ficam os anos seguintes? Afinal, você acabou de vender seu voto.

    – E quer que eu vote nos outros? Ouça bem, meu compadre, você me dará razão. Apareceram outros lá em casa. Mas é um pessoal que nunca vi em política. Até sei que são bem capazes e estudados iguais a você. Mas eu não confio muito. Prefiro votar em quem já vem aí há muito tempo na política. E quanto a essa história dos anos seguintes, o que tenho a lhe dizer é simples: é melhor eu votar logo em quem me dar alguma coisa agora, pois depois eu sei que não ganharei nada. É isso.

    – Mas…

    – Meu compadre, a conversa vai boa, mas preciso ir. Ontem fui ao hospital pegar uma ficha para consulta, e me disseram que não tinha médico. Tenho que ir à casa do senhor Manoel pegar um remédio natural que ele mesmo faz. No posto não há remédios. É para minha filha. A bichinha está com uma febre danada há três dias.

    – E ela tá perdendo aulas?

    – Que aula, compadre?! Não há professores. Dizem que as aulas, este ano, só iniciarão no segundo semestre, se o governo ajudar. E mesmo assim, vou logo lhe falar a verdade, nessa lama que está minha rua, não sei se minha filha irá todos os dias, pois quando chove é um caos. Mas minha preocupação mesmo é a de que ela está concluindo o ensino fundamental, e ano que vem inicia os estudos noturnos. E aí está o difícil, pois a malandragem tomou nossa rua. Tá cada dia mais perigoso. É assalto que não tem conta! Que Deus nos ajude, compadre!

    – E a polícia?

    – Polícia nessa lama?! Ah, compadre, para aquele lugar eles só vão quando a desgraça já tá feita. E ela precisa ser coisa já de morte. E até entendo eles, estão sem carro. E entrar em uma rua com lama e sem iluminação apenas na pernada não é coisa que fica para um homem da lei.

    **Hugo Brito  é advogado e bacharel em Ciências Sociais,  nascido  no interior  do Acre, onde ocorre situação  semelhante  ao artigo .